A defesa de consumidores na regulação econômica de plataformas digitais

Camila Leite Contri é doutoranda em Direito Comercial na USP, mestra em Direito Econômico pela Universidade Jean Moulin Lyon 3 e bacharel em Direito pela USP e pela Universidade Jean Moulin Lyon 3. Atualmente, é coordenadora do Programa de Telecomunicações e Direitos Digitais no Idec - Instituto de Defesa de Consumidores – e professora na Pós Graduação de Direito Digital e Proteção de Dados do IDP.
Marina Fernandes de Siqueira é bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (USJT), com passagem pela Universidad Finis Terrae (UFT/Chile). Advogada e pesquisadora do Programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec - Instituto de Defesa do Consumidor. Integra a Câmara Técnica de Saúde Digital e Comunicação em Saúde do Conselho Nacional de Saúde (CTSDCS/CNS).
Resumo
O crescimento das plataformas digitais trouxe novas dinâmicas de mercado, levantando desafios para a proteção de consumidores. Este artigo explora como a regulação econômica pode proteger os usuários finais, com base no relatório da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda (SRE/MF) publicado em outubro de 2024. Concretamente, analisa das obrigações positivas e negativas propostas na regulação de mercados digitais, aprofundando exemplos da relevância de focar na proteção de quem mais é afetado por essas práticas — os consumidores — para que efetivamente se promova um ambiente digital competitivo, transparente e inclusivo. Conclui-se que a interseção entre regulação econômica e defesa do consumidor é crucial para equilibrar os benefícios das plataformas digitais com a proteção dos direitos dos usuários, promovendo maior contestabilidade e inovação nos mercados digitais, em linha com os avanços propostos no Brasil.
Introdução
As plataformas digitais deixaram de ser simples canais de intermediação para se tornarem verdadeiras arquiteturas de poder econômico, moldando mercados, mediando relações sociais e condicionando escolhas de consumo. Em meio a essa reorganização estrutural da economia, marcada pela concentração de dados, opacidade algorítmica e desequilíbrio informacional, emerge um novo desafio regulatório: como proteger consumidores que, embora usuários finais, são profundamente afetados por dinâmicas concorrenciais opacas e práticas abusivas? Este artigo parte da hipótese de que a defesa do consumidor não pode ser tratada como um elemento periférico ou acessório nas políticas de regulação de plataformas digitais e que o papel do Estado não pode restringir-se a uma atuação reativa ou setorial. Ao contrário, argumenta-se que a sua integração à regulação econômica é essencial para garantir que os mercados digitais não apenas funcionem com mais eficiência, mas também com mais justiça e transparência.
Isso porque os desafios envolvendo plataformas digitais exigem do Estado uma resposta organizada para a promoção de direitos. A intervenção nos mercados por meio da regulação surge como uma alternativa para aumentar a transparência, a justiça social e reafirmar o exercício de direitos no ambiente digital. Dentre as possibilidades de intervenção, a regulação econômica seria voltada, principalmente, à correção de falhas de mercado e assimetrias de poder, tendo como objetivo principal a promoção de concorrência em mercados e ecossistemas digitais, envolvendo a relação tanto outras plataformas, quanto os usuários profissionais (Crémer, De Montjoye, Schweitzer, 2019) — mas poderia ir além ao focar-se também em usuários finais.
No Brasil, entre 2022 e 2024, a discussão sobre a regulação econômica de mercados digitais ganhou novos contornos. Em 2022, foi proposto o Projeto de Lei (PL) 2768, que dispunha sobre a “organização, o funcionamento e a operação das plataformas digitais que oferecem serviços ao público brasileiro”. No ano seguinte, o Comitê Gestor da Internet (CGI.br, 2023) propôs uma consulta pública e consolidou seus resultados numa sistematização sobre diversas dimensões da regulação de plataformas digitais, incluindo a dimensão econômica.
Por fim, a partir de 2024, o Poder Executivo intensificou sua atuação na discussão, apresentando uma proposta legal por parte do Governo Federal. Após um processo de tomada de subsídios para promoção de participação social (Brasil, 2024c) e benchmarking (Brasil, 2024b) com reguladores estrangeiros, a Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda (SRE/MF) tornou pública um conjunto de recomendações (Brasil, 2024a) para a regulação econômica ex ante de plataformas digitais.
Enquanto essas medidas se propõem a fomentar a competitividade para usuários comerciais e outras plataformas digitais, também há impacto para os usuários finais (os consumidores). Isso porque, o próprio abuso de posição dominante por meio de condutas anticompetitivas gera prejuízos aos consumidores, que sofrem com a falta de qualidade nos serviços e produtos digitais. O poder econômico dos grandes ecossistemas digitais dita o consumo digital, de maneira que os consumidores estão completamente submetidos às suas decisões. Desta maneira, dado que consumidores são impactados de maneira particularmente intensa pelas práticas de plataformas digitais — mais do que em mercados tradicionais (BEUC, 2021) — e considerando que a defesa do consumidor é princípio fundante da ordem econômica brasileira (art. 170, IV, CRFB), optou-se por adotar este enfoque como eixo analítico.
Diante da relevância da defesa de consumidores para a proteção dos usuários finais de plataformas digitais, este artigo busca responder se e de que maneira a defesa do consumidor se articula com a regulação econômica de plataformas digitais no Brasil. Ou seja, visa-se compreender se (e como) a defesa desse grupo vulnerável se insere na regulação econômica de plataformas digitais (ou regulação de mercados digitais), especialmente tendo em vista que em mercados digitais consumidores são afetados muito mais diretamente por práticas anticompetitivas do que mercados tradicionais (BEUC, 2021).
Para tanto, a primeira parte do artigo aborda o dinâmico contexto de proposição de normas aplicáveis a mercados digitais no Brasil e iniciativas recentes que impactam tanto a dinâmica competitiva de plataformas digitais no Brasil, como também influenciam a dinâmica de como consumidores usufruem desses serviços. Em seguida, usa-se duas estratégias para responder à pergunta central deste artigo: uma análise das medidas propostas pelo Governo Federal e uma análise mais ampla do sistema constitucional brasileiro.
Na segunda parte , busca-se identificar se há relação entre as obrigações ex ante previstas na regulação econômica de mercados digitais proposta pela SRE/MF com o Direito do Consumidor, em especial, com o instrumento que consolida esse direito, o Código de Defesa do Consumidor (CDC). O foco analítico recaiu sobre as obrigações já consolidadas pela SRE/MF, em razão de sua maturação nas discussões públicas e sua correspondência com preocupações manifestadas na Consulta do CGI.br. Já o objetivo de estabelecer tal relação é traçar um paralelo entre a discussão legislativa e os direitos consolidados para a proteção do consumidor para verificar se as obrigações refletem em consequências positivas aos consumidores e avaliar como as propostas de regulação econômica de plataformas digitais impactam a proteção dos consumidores no Brasil.
Já a terceira parte avança na relação entre os dois campos do direito — direito da concorrência e direito do consumidor — a partir de seu vínculo prévio enquanto princípios constitucionais da ordem econômica brasileira. Com isso, busca-se compreender se regulação de plataformas digitais pode ser expandida para incorporar, de forma sistemática, a defesa de consumidores como um de seus pilares.
A metodologia utilizada consistiu na análise documental da Sistematização da Consulta do CGI.br (2023) e do Relatório da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda (2024), com enfoque nas obrigações relativas à concentração de mercado e seus efeitos sobre consumidores. Optou-se por utilizar as propostas de obrigações ex ante, pois essa estrutura regulatória tem sido vista como uma tendência de complementação ao enforcement gap de autoridades concorrenciais (BEUC, 2021, p. 3) em diversos países (Brasil, 2024b), ainda que com escopos diversos (Fernandes, 2024). Além disso, são esses os instrumentos responsáveis por dar concretude aos objetivos propostos pela nova regulação, possibilitando a avaliação comparativa com o direito do consumidor. Desta maneira, centrou-se na concretude da análise de tais obrigações, complementando com uma descrição dos avanços brasileiros em regulação de mercados digitais e com uma interpretação mais ampla da ponderação entre objetivos da regulação econômica de mercados digitais e a defesa de consumidores, considerando uma análise de princípios constitucionais.
Conclui-se que a regulação econômica pode ajudar no alcance de objetivos mais amplos e, concretamente, que sua interseção com a defesa de consumidores é crucial para equilibrar os benefícios das plataformas digitais com a proteção dos direitos dos usuários, equilibrando preceitos constitucionais e ainda promovendo maior contestabilidade e inovação nos mercados digitais, em linha com os avanços propostos no Brasil.
1. Avanços brasileiros em regulação de mercados digitais
Em outubro de 2024, a SRE/MF publicou o já mencionado relatório com recomendações para a regulação de mercados digitais, assim como o resultado do benchmarking com outras jurisdições e das contribuições de sua tomada de subsídios. A análise internacional comparada envolveu dez jurisdições1-2, sem deixar de perder o foco na realidade econômica brasileira — tanto é que o impulsionamento da produtividade e crescimento econômico sustentável no Brasil foi colocado como uma das prioridades da proposta. Já a tomada de subsídios reuniu 301 contribuições de 72 participantes (BRASIL, 2024d) sobre se há a necessidade de alterar a lei de defesa de concorrência, de criar nova regulação e, se sim, quais aspectos deveriam ser objeto da norma e como coordenar a ação estatal para a gestão do tema.
Em sendo a movimentação mais recente e concreta no Brasil, e resultado de um esforço que envolveu contribuições de diversos setores e países, além da promessa de que seja apresentado um projeto de lei (ou complemento de projeto de lei já em andamento) (Barcellos, 2024), este será o foco de análise deste artigo. Entretanto, esta não foi a primeira movimentação em prol da regulação de mercados digitais3.
Em 2023, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) também abriu uma consulta pública sobre regulação de plataformas digitais e publicou um relatório consolidado da sistematização das 140 contribuições recebidas por parte de diferentes setores (CGI.br, 2023). Ainda que dissesse respeito a diferentes aspectos de plataformas digitais — como soberania e precarização do trabalho e privacidade —, a frente que mais recebeu contribuições foi a de riscos e medidas de mitigação associadas à concentração econômica e de dados e a moderação de conteúdos.
Focando na parte de concentração econômica, que é relevante para o tema central deste artigo, o CGI.br obteve resultados semelhantes à consolidação da SRE do ponto de vista da designação do problema a ser atacado com a regulação, mais especificamente que a concentração de mercados também é decorrente da concentração de dados, que pode ser utilizada para alavancar esse poder em outros mercados, além de aprisionar consumidores e prejudicar a qualidade e a inovação (CGI.br, 2023, p. 15). Entretanto, uma ponderação relevante trazida é a preocupação com uma intervenção que afete a inovação (CGI.br, 2023, p. 15), preocupação esta também absorvida pelo relatório da SRE e destacada por agentes do setor privado (Estúdio Jota, 2024).
No ano anterior, em 2022, já havia sido apresentado pelo Deputado João Maia (PL/RN) o Projeto de Lei (PL) nº 2768/2022 (Brasil, 2022), que dispõe “sobre a organização, o funcionamento e a operação das plataformas digitais que oferecem serviços ao público brasileiro e dá outras providências.”. Esse projeto de lei também foi objeto de uma consulta à sociedade, nesse caso proposta pela Frente Parlamentar pela Mulher Empreendedora, sob a liderança da relatora do projeto, Deputada Any Ortiz (Cidadania/RS) (Urupá, 2023). Dissonâncias do governo sobre algumas disposições da proposta, em especial sobre o órgão regulador responsável pela aplicação da norma, foram parte da razão para o governo engajar-se na temática (Costa; Ianelli, 2024), , enquanto o PL não teve avanços recentes em sua tramitação.
Todas as iniciativas alinham-se aos debates internacionais sobre a necessidade de uma adaptação de intervenções estatais a mercados digitais, dada às suas características de dinamicidade, externalidade de rede, fortes economias de escala e escopo, custos marginais próximos a zero, uso intensivo de dados, baixa distribuição de custos que levam a um alcance global (Stigler Commitee on Digital Platforms, 2019b, p. 3-4; Leite Contri, 2022). Neste contexto, o aprimoramento dessas intervenções, como a regulação econômica de plataformas digitais, busca um delicado equilíbrio delicado entre a promoção da concorrência, proteção contra abusos e a salvaguarda da inovação.
Retomando o resultado da movimentação do governo, o relatório de consolidação divide as recomendações em dois grupos. O primeiro trata de uma nova regulação com previsão de obrigações ex ante a serem aplicadas para plataformas que exercem controle sistêmico dos mercados digitais; já o segundo grupo engloba um conjunto de alterações infralegais para maior eficiência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) em matéria de mercados digitais.
Considerando o teor das contribuições e do diálogo com as autoridades estrangeiras, é possível afirmar que as recomendações do governo federal estão em conexão com as regulações estrangeiras que tratam da mesma matéria. A regulação assimétrica e ex ante parte do reconhecimento de que as características dos grandes players dos mercados digitais levam à alta concentração desses mercados e que nem todas soluções são possíveis de efetivamente serem resolvidas ex post (Brasil, 2024a).
Ainda que a discussão esteja sendo travada no âmbito do direito da concorrência, a regulação econômica pressupõe um alargamento do antitruste tradicional para incorporação de outros valores e objetivo da ordem econômica. Nesse sentido, a defesa de consumidores — que sempre esteve presente de maneira mediata na política concorrencial, em decorrência do paradigma e o objetivo do bem-estar do consumidor na política de defesa da concorrência (Pfeiffer, 2010) — é um importante conjunto de normas que regula relações econômicas visando corrigir falhas de mercado e assimetrias de poder decorrentes da vulnerabilidade entre consumidores e fornecedores e/ou prestadores de serviços e/ou produtos.
Ressalta-se, entretanto, que o que se defende aqui não é a estrita manutenção de uma visão tradicional de bem-estar do consumidor (relacionada ao binômio preço/qualidade), mas também uma verdadeira ampliação da interpretação do direito da concorrência, tendo em vista a necessária consideração da unicidade do ordenamento jurídico. Tal visão foi defendida por diversos participantes do terceiro setor e da comunidade científica e tecnológica, que propuseram inclusiva uma expansão dos objetivos do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), ainda que o setor privado levante algumas preocupações, como a segurança jurídica (CGI.br, p. 116-117). Essa ampliação interpretativa, entretanto, não significa fugir das atribuições deste campo jurídico, mas utilizar os comandos legais para implementar de maneira mais holística as amplas normas da Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011 ou “LDC”).
A defesa de consumidores, assim como a livre concorrência, é um princípio fundante da ordem econômica do país (art. 170, incisos IV e V, Constituição da República Federativa do Brasil — CRFB). Trata-se, então, do mais amplo conjunto de normas jurídicas que regula as relações econômicas, que deve ser harmonizado e interpretado conjuntamente. Para concretizar como esses preceitos se interrelacionam, propõe-se analisar as obrigações discutidas no Brasil.
2. Análise das potenciais obrigações a serem impostas pelo Brasil em mercados digitais e sua relação com a defesa de consumidores
As recomendações de obrigações substantivas do Ministério da Fazenda (2024, p. 111-112) foram decorrentes do benchmarking internacional e da tomada de subsídios destinada à sociedade e, portanto, ainda que tenham sido sintetizadas pelo governo e que ainda estejam em processo de serem apresentadas como projeto de lei, são resultado de uma tentativa de balanço de diferentes interesses e iniciativas. Ainda que o objetivo do texto seja em por que regular, ele já sinaliza possíveis obrigações a serem impostas a plataformas de relevância sistêmica.
Tais obrigações decorrem, principalmente, de obrigações já existentes em jurisdições estrangeiras. Ainda, durante a tramitação do Projeto de Lei que vise regular mercados digitais, será fundamental que a definição das obrigações estejam relacionadas as necessidades dos mercados digitais nacionais e se há necessidade de seu complemento. No entanto, como forma de delimitação considerando o atual estágio das discussões, opta-se por analisar somente as obrigações mencionadas nas recomendações.
Ademais, como forma de verificar consensos entre a sociedade, buscou-se, sempre que possível, a comparação das obrigações com elementos trazidos por contribuintes da consulta pública do CGI (2023, p. 110-114) sobre a regulação de plataformas.
Para concretamente analisar a relevância do tema para consumidores, passa-se, então, à análise da relação dessas obrigações com direitos já conquistados na defesa de consumidores. Em seguida, passa-se a análise mais ampla do porquê a visão consumerista deve ser internalizada nessas normas.
2.1. Obrigações negativas (de não-fazer)
As obrigações negativas trazem restrições artificiais que prejudicam essencialmente a concorrência, seja no mesmo mercado digital, numa mesma plataforma ou no ecossistema digital como um todo4. Entretanto, essas medidas, além de promoveram a contestabilidade e a equidade5, também podem beneficiar os usuários finais — os consumidores.
2.1.1. [vedação à] limitação da participação de concorrentes
Por definição, a limitação de concorrência reduz a oferta e potencialmente aumenta preços, reduz qualidade e reduz a pressão por inovação. Ainda que não se preocupe fundamentalmente com a isonomia na relação de consumo, a defesa da concorrência justamente busca solucionar essas assimetrias, possuindo uma preocupação com liberdade, o que inclui a proteção externa e anterior à relação de consumo para promoção do exercício da escolha (qualificada) do consumidor (Pfeiffer, 2010, p. 276).
Assim, restrições à concorrência, além de afetar concorrentes e diferentes agentes na cadeia de produção — por exemplo, quando certos anunciantes são proibidos de anunciar em uma plataforma por concorrerem com ela em outros mercados —, também impactam consumidores na ponta. Essa obrigação se assemelha às disposições do artigo 6(11) e 6(12) do Digital Markets Act (DMA) europeu, que obriga que as condições de acesso às plataformas de serviços essenciais sejam FRAND — fair, reasonable and non-discriminatory (equânimes, justas e não-discriminatórias).
Igualmente, tal obrigação negativa também se relaciona a propostas de mitigações abordadas pelo Relatório do CGI.br (2023), com contribuições quase consensuais sobre a necessidade de reduzir as barreiras à entrada. Entretanto, também houve a adição de um viés positivo: diversos dos contribuintes à consulta pública trouxeram a dimensão da necessidade de promover modelos alternativos que consigam efetivamente competir no mercado, seja por meio de incentivos financeiros públicos, seja por outros mecanismos, como a interoperabilidade (que será analisada abaixo).
2.1.2. [vedação à] restrição do acesso a ofertas
A vedação à restrição do acesso a ofertas se relaciona com as cláusulas de paridade ou de “nação mais favorecida” (most favored nation clauses). Essas cláusulas, também vedadas no DMA (Artigo 5(3)), “garantem a determinados agendas as melhores condições de troca que um player pode oferecer” (Lancieri, Sakowski, 2020, p. 52).
Para consumidores, a proibição de limitação de ofertas é diretamente benéfico ao acesso de produtos e serviços com diversidade de fornecedores, garantindo liberdade de escolha (CDC, art. 6º, inciso II), e potencialmente sem um preço aumentado em decorrência de condições restritivas. Ou seja, além de limitar seu potencial anticompetitivo, a proibição de cláusulas MFN potencializa que os consumidores tenham acesso a ofertas potencialmente mais diversas e melhores em diferentes instâncias.
2.1.3. [vedação ao] favorecimento dos próprios produtos
De maneira semelhante, a proibição ao auto-preferenciamento (self-preferencing) potencializa que consumidores tenham acesso não somente a melhores ofertas em concreto, mas também à diversidade de fontes em concreto. Esta conduta ocorreria ao impulsionar seu poder em um mercado a um mercado adjacente, em discriminação a concorrentes e parceiros comerciais (OCDE, 2018, p. 37-38), moldando-se as regras da plataforma original para fornecer um melhor resultado aos seus próprios serviços (Condorelli, Padilla, 2020, p. 144-153).
A vedação ao auto-preferenciamento corrige a distorção de informação não-neutra/enviesada apresentada ao consumidor, garantindo informação adequada e clara (CDC, art. 6º, inciso III), liberdade de escolha (art. 6º, inciso II), além de prevenir indução a erro (art. 31) e prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor (art. 39, inciso IV), ao manipular os resultados em prol dos próprios produtos.
Exemplo relevante da concretização da análise desta preocupação foi a análise do caso Google Shopping na União Europeia, que gerou condenação da Comissão Europeia (CE, 2017), posteriormente confirmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE, 2024). Ainda que caso semelhante não tenha sido condenado no Brasil6, o arquivamento do caso foi polarizado — resultando em um empate, decidido pelo voto de qualidade do então Presidente do Cade — e majoritariamente decorrente de falta de provas. Com a inversão do ônus da prova que regulações econômicas preveem (Brasil, 2024a, p. 93, 103 e 112), o resultado poderia ter sido diverso. Tal dissenso também foi abordado pelo relatório do CGI (2023, p. 114), no qual foi exposto certo desacordo se tal conduta seria uma medida de redução de custos e aumento de eficiência ou verdadeiramente um abuso.
Uma obrigação que explicitamente não foi mencionada no rol sinalizado pela SRE, mas poderia ser internalizado por reflexão semelhante, seria a vedação à exclusão de aplicativos pré-instalados, que é outra forma de favorecimento artificial. Ambas as disposições influenciam no poder de escolha de consumidores. A consequência é que os usuários deixam de ter uma escolha livre para se sujeitarem a um enviesamento da plataforma — concretamente, o direcionamento de seus próprios produtos e serviços. Ou seja, trata-se de um conflito de interesses no oferecimento de produtos e serviços que visa influenciar as decisões dos consumidores e, portanto, reduzem a possibilidade de escolha efetiva, além de reduzir o acesso a potenciais serviços de maior qualidade por parte de competidores.
2.1.4. [vedação a] condicionar a venda de um produto à compra de outro
O condicionamento de venda de produtos e serviços a outros pode ter uma roupagem específica nos serviços digitais pelo fato de majoritariamente serem gratuitos. Entretanto, tal limitação não deixa de ser decorrente da hipossuficiência do consumidor frente ao fornecedor — ou do usuário frente à plataforma digital.
A denominada “venda casada” é uma das clássicas práticas abusivas vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 39, inciso I) e tem uma importante função de empoderar o consumidor a ter uma efetiva escolha nos produtos que acessa. Tal autonomia não é relevante somente no aspecto financeiro, mas pode ter impacto em outros elementos importante e inclusive direitos — como o direito fundamental à proteção de dados (CRFB, art. 5º, inciso LXXIX).
O DMA também possui disposição semelhante em seu artigo 5(8). A norma europeia veda a exigência de que usuários (profissionais ou finais, ou seja, outros negócios ou consumidores) se inscrevam ou utilizem outros serviços essenciais.
Mais concretamente, uma preocupação pode ser inclusive a proteção de dados: obrigar um consumidor estar presente a estar em uma segunda plataforma ou acessar um segundo serviço envelopado na mesma plataforma pode significar o compartilhamento indevido de dados e uma vantagem competitiva indevida, mas também potenciais danos a consumidores.
2.1.5. [vedação a] usar indevidamente dados comerciais
O tratamento de dados pessoais pode servir para oferecer melhores produtos e serviços e aumentar a potencial inclusão de consumidores ao mercado. Entretanto, dados também podem ser usados para “identificar vulnerabilidades exploráveis” e excluir consumidores de maneira ainda mais acentuada (Marques; Mucelin, 2022).
Desta maneira, o uso indevido de dados pode ter potencial não somente anticompetitivo, mas também discriminatório. Nesse sentido, há de se cumprir a legislação de proteção de dados, inclusive obrigações básicas sobre transparência (Mendes, 2015, p. 40), Assim, as plataformas devem informar claramente consumidores sobre termos e condições da relação com a plataforma digital, incluindo sobre sua política de privacidade e com práticas suficientemente protetivas da segurança de usuários, assim como garantindo escolha de consumidores (OCDE, 2016, p. 10-11)7, sendo vedadas as cláusulas abusivas (CDC, art. 6º, inciso IV c/c art. 51). Além disso, deve também proteger consumidores desse tipo de discriminação potencialmente ilícita.
Um exemplo relevante em diversas jurisdições é o compartilhamento de dados entre empresas de um mesmo grupo econômico. Além de ter sido vedado pelo DMA para controladores de acesso (art. 5(2)), tal conduta foi previamente objeto de uma condenação da autoridade alemã , confirmada pelo TJUE (2023), além de ter recentemente sido objeto de condenação na autoridade concorrencial indiana (Reuters, 2024).
A vedação ao compartilhamento de dados entre empresas do mesmo grupo comercial também foi alvo de dissensos entre os participantes da consulta pública. Enquanto para o setor privado a obrigação já estaria contemplada em outras prerrogativas, para os demais atores trata-se de uma obrigação fundamental para mitigar a concentração excessiva de poder econômico em ecossistemas digitais, uma vez que os dados permitem a alavancagem em mercados correlatos, criando uma vantagem irreplicável a outros concorrentes (CGI.br, 2024, p. 117).
2.1.6. [vedação a] restringir o acesso a informações relevantes
A promoção de informações claras e acessíveis, respeitados segredos de negócio, é essencial não somente para uma competição justa, mas também para um reequilíbrio entre a assimetria informacional entre consumidores e fornecedores — ou entre usuários finais e plataformas digitais. Nesse sentido, conferir item 2.2.3 a seguir.
2.1.7. [vedação a] dificultar a interoperabilidade de produtos
Ao garantir a interoperabilidade, os consumidores podem escolher mais livremente entre diferentes produtos ou serviços, sem se verem forçados a usar apenas um fornecedor (ou plataforma) devido à falta de integração com outros sistemas. Isso aumenta as opções no mercado, o que pode potencialmente resultar em melhores preços, mais inovação e qualidade, reduzindo os efeitos de lock-in.
No final, garantir interoperabilidade não é meramente uma solução técnica para garantir concorrência: é também uma poderosa ferramenta para promover alternativas para consumidores. Nesse sentido, conferir os benefícios também dispostos no item 2.2.1 abaixo.
2.2. Obrigações positivas (de fazer)
As obrigações positivas, por sua vez, visam determinar que as plataformas digitais facilitem a entrada de novos competidores, reduzam barreiras à entrada e ampliem as opções para os usuários. Em sendo obrigações amplas, é possível ver de maneira mais imediata o impacto benéfico aos usuários finais — ou seja, aos consumidores.
2.2.1. Obrigação de oferecer ferramentas para transferência de dados
A transferência de dados é análoga à obrigação de portabilidade de dados fornecidos e gerados a partir da relação entre usuários finais e os controladores de acesso no curso da relação econômica (art. 6(9), DMA) e o direito do titular de portabilidade (art. 18, inciso V, LGPD). A portabilidade busca viabilizar o efetivo controle do titular sobre seus dados para os mais diversos fins, possibilitando que sejam gerenciados e reutilizados, de forma a possibilitar que os usuários finais tenham gestão de seus dados pessoais (Frazão, et. al. 2022, p. 319).
Para além a autodeterminação, está obrigação também tem o objetivo de facilitar a migração do titular para serviços concorrentes (Frazão, et. al. 2022, p. 319). Ao diminuir os curtos de troca (switching costs) pela manutenção dos dados gerados no serviço, evita-se que os consumidores fiquem restritos a determinado serviços e/ou produto (Frazão, et. al. 2022, p. 319). Além disso, considerado que dados podem até ser considerados por parte da doutrina como infraestruturas essenciais para o acesso a determinados mercados (essential facilities) (Guggenberger, 2020), a portabilidade pode estimular a concorrência e facilitar o ingresso de novos entrantes no mercado (Frazão, et. al. 2022, p. 320). Isso porque, a concentração de desses insumos pode diminuir a concorrência e enraizar o monopólio de poucos agentes.
Para além da portabilidade como um instrumento de concorrência (CGI.br, 2024, p. 73), a consulta do CGI também menciona como a portabilidade pode ser um mecanismo de estímulo para a cooperação entre plataformas de trabalho, de forma que os trabalhadores pudessem estar conectados simultaneamente a várias plataformas (CGI.br, 2024, p. 148). Além disso, as medidas de transferência de dados foram as mais consensuais entre os contribuintes, ainda que com dissensos em relação à implementação, abrangência e obrigatoriedade dessa obrigação. A maioria deles destacou a relevância em estabelecer “padrões mínimos que garantam a padronização, a abertura e a estruturação dos dados, de modo a facilitar sua transferência” (CGI.br, 2024, p. 116).
Assim como grande parte das obrigações aqui analisadas, os direitos do titular também podem ser apreendidos de outros diplomas legais, em especial do CDC. Ou seja, os direitos previstos na LGPD desmistificam os direitos previstos no CDC para o microssistema de proteção de dados (Frazão et. al., 2022, p. 303). É o que se observa no microssistema de mercados digitais. A transferência de dados aumenta o poder de escolha e a autonomia dos consumidores sobre a utilização de serviços e produtos digitais (art. 6º, inciso II, CDC). Inclusive, a portabilidade enquanto um direito do consumidor é uma tendência em outros mercados (Benjamin; Marques; Bessa, 2021, p. 123).
2.2.2. Permitir a personalização de configurações
Quanto a esta obrigação, pode-se fazer um paralelo com a obrigação do DMA de facilitar a desinstalação de aplicativos e permitir alterações nas predefinições dos sistemas operacionais, assistentes virtuais e navegador web (art. 6(3), DMA).
Do ponto de vista concorrencial, está obrigação dificulta estratégias das plataformas digitais de auto-favorecimento (self-preferencing) para alavancagem em novos mercados. Vale recordar que o Cade tem um caso pendente sobre o tema. No caso Google Android, a Autoridade investiga indícios de infração à ordem econômica referentes a supostas práticas restritivas relacionadas ao sistema operacional para dispositivos móveis Android.8 Na União Europeia, a Google aplicou restrições ilegais aos fabricantes de dispositivos que usam o seu sistema Android, sendo multada em razão disso pela CE. Já o caso Google Shopping foi arquivado pelo Cade, ainda que tenha gerado uma condenação robusta (a maior multa aplicada até então) na União Europeia (CE, 2017). Ambos os casos ilustram como práticas de favorecimento podem impactar negativamente a concorrência e os consumidores — estes últimos, em razão da limitação de sua liberdade de escolha na utilização de serviços —, além de evidenciar que a dificuldade probatória pode inviabilizar sanções em regimes ex post, reforçando a necessidade de soluções regulatórias ex ante.
No mesmo sentido em que a obrigação de transferência de dados, a personalização das configurações também possibilita maior liberdade de escolha e autonomia dos consumidores (art. 6º, inciso II, CDC). Além disso, é possível fazer um paralelo entre essa obrigação e o direito a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (art. 6º, inciso V, CDC).
2.2.3. Fornecer informações claras e acessíveis
O fornecimento de informações de forma clara e acessível aos usuários profissionais e finais é fundamental para a redução de assimetrias informacionais entre fornecedores e consumidores (Pfeiffer, 2010), inclusive em mercados digitais. Acredita-se que essa obrigação pode, na realidade, estar incluída nas obrigações gerais, que são procedimentais e de transparência. Essa obrigação se relaciona com o art. 5(9) e (10) do DMA, que foca em transparência de preços.
A diminuição de assimetrias informacionais entre as plataformas de relevância sistêmica e os demais usuários comerciais é fundamental para a promoção da concorrência. O poder de mercado excepcional das plataformas digitais decorre, dentre outros fatores, do controle dos insumos e infraestruturas digitais. Isso significa que as decisões das plataformas digitais impactam profundamente a forma como os usuários profissionais deverão se adequar as plataformas e utilizá-las para seus próprios fins. Assim, a obrigatoriedade de informação pode auxiliar que os usuários profissionais compreendam as decisões das plataformas e suas formas de controle.
Além disso, a informação adequada e clara sobre os produtos e serviços é um direito básico dos consumidores (art. 6º, inciso III, CDC). A qualidade da informação transmitida ao consumidor está diretamente relacionada à formação de sua opinião e autonomia na tomada de decisão. A confiança gerada pela informação adequada pode reduzir a complexidade das relações de consumo.
No caso da proteção de dados, por exemplo, a informação pode auxiliar na compreensão do fluxo informacional e robustecer a abordagem à autodeterminação informacional (Bioni, 2021). Dessa forma, é possível considerar que o dever de informar é um ônus proativo incumbido aos fornecedores (neste caso, as plataformas digitais) para superar a assimetria informacional característica das relações de consumo. Decorrente do princípio básico do CDC de reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e da necessária boa-fé objetiva (art. 4º, incisos I e III, CDC), o direito à informação deve orientar e perdurar durante como a relação de consumo (Benjamin; Marques; Bessa, 2021).
Por fim, considerando o poder das plataformas no controle da comunicação, a informação clara, adequada e acessível também é fundamental para submeter as plataformas de relevância sistêmica a um escrutínio público. Importante ressaltar que os segredos comercial e industrial dos agentes de tratamento não podem servir de escusa para deixar de informar com qualidade os usuários profissionais e finais.
2.2.4. Garantir prazos para adaptação a novas regras
É importante considerar que esta obrigação não está devidamente explicada até o momento da redação deste artigo. A obrigação pode estar relacionada tanto à determinação de um prazo para que as plataformas de relevância sistêmica se adequem às obrigações gerais — procedimentais e de transparência — substanciais e de monitoramento, quanto aos estabelecimento de prazos para que os usuários profissionais e finais exerçam seus direitos perante a plataforma. Para fins desse artigo, focaremos na segunda interpretação.
A maior transparência em relação aos usuários comerciais possibilitará a diminuição das assimetrias de poder na tomada de decisão por parte das plataformas digitais. É importante rememorar que o poder econômico nos mercados digitais decorre, dentre outros fatores, da falta de transparência no controle absoluto sobre o funcionamento das plataformas digitais.
A falta de transparência, especialmente sobre os algoritmos das plataformas e o tratamento de dados, foi um dos problemas mais mencionados pelos participantes da consulta do CGI. Inclusive, a necessidade de transparência enquanto um princípio do modelo de governança da regulação de plataformas também foi amplamente mencionado, o que envolveria tanto uma transparência ativa dos regulados, quanto a transparência da administração pública em sua regulação (CGI.br, 2024, p. 214-217).
Assim, maior escrutínio público por parte dos usuários possibilitará maior possibilidade de controle e tomada de decisões. Da mesma forma, os consumidores também serão beneficiados por maior transparência e escrutínio público. As plataformas digitais são, para além de espaços de comércio, também são espaços de troca e deliberação pública — exigindo maior transparência no controle das trocas econômicas, sociais e culturais possibilitadas por esses agentes.
2.2.5. Estabelecer mecanismos eficazes para lidar com reclamações
Trata-se de uma obrigação pouco elaborada no relatório e sem relação direta com outras regulações econômicas estrangeiras. No entanto, assim como a obrigação anterior, é possível compreender que se trata de uma obrigação diretamente relacionada ao poder de controle que as plataformas digitais exercem sobre os usuários profissionais. A garantia de procedimentos, mecanismos e prazos é fundamental para aumentar a autonomia e gerência dos usuários comerciais perante as plataformas digitais.
Além disso, o exercício de reclamações e solicitações por parte dos usuários finais está diretamente relacionado à defesa de consumidores. A proteção de direitos é necessariamente complementada pela sua efetivação em caso de violações, como é o caso da solução de controvérsias.
O Decreto nº 11.034/2022 regulamenta o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), cujo objetivo é justamente à obtenção de informação adequada sobre serviços e produtos e o tratamento das demandas do consumidor. Estas normas podem inspirar a implementação desses mecanismos eficazes para lidar com reclamações no âmbito da futura regulação. Desta maneira, como nos direitos dos titulares de dados pessoais, essa obrigação poderia ser considerado um microssistema de defesa dos consumidores no ambiente digital (Frazão, et. al., 2022, p. 303).
Tal recomendação vem em complemento a uma proposta apresentada à Consulta Pública do CGI, que sugere que a autoridade reguladora teria atribuições para solução de reclamações de problemas com as plataformas (CGI.br, 2024, p. 225-226). Em interpretação conjunta com as duas propostas, parece ser relevante fazer um paralelo com normas de solução de reclamações em setores, como o de telecomunicações, para que a primeira camada de resolução de controvérsias ocorra diretamente com a plataforma e, caso isso não seja resolvido, isso possa ser destinado à autoridade.
2.2.6. Síntese e conclusão
Constatou-se que as obrigações delineadas guardam estreita correspondência com disposições históricas já consagradas no Código de Defesa do Consumidor (CDC) desde a década de 1990, sendo capazes, em síntese, de: (i) robustecer o direito à informação adequada e clara; (ii) ampliar o acesso dos consumidores a ofertas mais diversificadas e competitivas; (iii) fortalecer a autonomia decisional dos usuários finais; e, nesse cenário, (iv) empoderar os consumidores enquanto titulares de dados, mediante o incremento do controle sobre seus dados. Inclusive, tais relações com a defesa de consumidores se relacionam diretamente com os objetivos dos mecanismos propostos pela SRE (2024), quasi sejam: a promoção de (i) transparência em mercados digitais e (ii) a contestabilidade e assegurar (iii) liberdade de escolha para usuários de plataformas digitais e (iv) parâmetros de governança e gestão de efeitos de rede na ausência de pressão competitiva.
Ademais, em consonância com as recomendações do Stigler Committee on Digital Platforms (2019), a contenção de abusos nos mercados digitais demandaria a imposição de pro-consumer default rules, ou, em última instância, a adoção de consumertarian default rules, entendidas como preceitos regulatórios radicalmente centrados no interesse e na proteção do consumidor (Strahilevitz; Luguri, 2019).
Tal relação aponta, ainda, para a necessária internalização de abordagens comportamentais nas políticas públicas, reconhecendo-se que o ambiente digital intensifica a propensão dos consumidores a decisões subótimas, muitas vezes estimuladas por mecanismos sutis de indução, os denominados nudges (OCDE, 2023, p. 3). A emergência desses vieses reforça a relevância de uma atuação regulatória holística, que transcenda a tradicional dicotomia entre defesa do consumidor e política concorrencial, e que promova a sinergia entre diferentes objetivos de política pública (OCDE, 2023, p. 3). À luz dessa compreensão, defende-se aqui que a regulação econômica dos mercados digitais internalize, de modo explícito, a proteção do consumidor como um de seus pilares normativos centrais.
3. Livre concorrência e defesa dos consumidores na ordem econômica
Por meio das análises das possíveis obrigações a serem implementadas em mercados digitais no Brasil, é possível perceber que tais medidas, ainda que tenham foco inicial na promoção de um ambiente contestável, também beneficiam consumidores.
Ainda que haja fortes críticos à “constitucionalização” do direito da concorrência (Schuartz, 2009), defende-se que o vínculo entre a defesa de consumidores e a livre concorrência é anterior a regulação econômica, uma vez que ambos são princípios da ordem econômica brasileira (art. 170, CRFB). Igualmente, ambos os campos jurídicos se mencionam cruzadamente em suas normas condutoras, quais sejam o CDC explicitando a necessária harmonização e compatibilização da defesa de consumidores com os princípios fundantes da ordem econômica (art. 4º, inciso III) e a LDC sendo também orientada pelo ditame constitucional da defesa de consumidores (art. 1º).
A defesa de consumidores, enquanto princípio da Ordem Econômica, tem função de promover a equidade e correção de falhas de mercado, garantindo os direitos e interesses daquele que se constitui como o agente mais vulnerável da relação econômica - a pessoa consumidora. Ou seja, por meio de instrumentos de prevenção e reparação de danos gerados por fornecedores de produtos e serviços, a defesa de consumidores visa estabelecer um equilíbrio entre diferentes agentes econômicos. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é o principal destes instrumentos e, por meio de normas de ordem pública e interesse social, compreende a dimensão coletiva deste direito.
Para a efetivação concreta dessas obrigações, recomenda-se a efetivação dos mecanismos de governança interinstitucional apresentados pela SRE, em especial a articulação entre o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e os órgãos de proteção do consumidor, a criação de canais de reclamação específicos para consumidores afetados e o fortalecimento dos deveres de transparência sobre o uso de dados pessoais pelas plataformas.
A dimensão coletiva decorre do reconhecimento de que as necessidades dos consumidores não são demandas individuais, mas sim decorrentes da implementação do processo de produção em massa e a padronização do consumo, bem como do poder econômico de agentes públicos e privados (Comparato, 2011). Nesse sentido, o consumo é controlado, abafado e estimulado por organismos produtores em função de seus objetivos econômicos (Comparato, 2011; Tavares, 2011).
A promoção da concorrência e a repressão ao abuso do poder econômico também asseguram uma proteção indireta e mediata ao consumidor. Em certa medida, mais do que a estrutura de mercados, políticas concorrenciais tutelam a defesa de consumidores. Isto porque políticas concorrenciais também delimitam limites no comportamento dos fornecedores (Pfeiffer, 2010, p. 272) - e isto vale não somente para o antitruste no sentido estrito, mas também para a promoção de medidas pró-competitivas, inclusive na atual discussão de regulação de mercados digitais.
Concretamente, é certo que a elaboração de uma regulação econômica de plataformas digitais determina um alargamento do poder estatal em relação a mercados digitais, atribuindo-lhe capacidade de diluir estruturas de poder concentrado e desigualdades socioeconômicas (Binotto; Mattiuzzo, 2022). Esse novo papel da economia política prevê, então, que a regulação seja compreendida como uma verdadeira política pública econômica (Forgioni, 2018) para combate ao poder econômico (que se transforma em poder político) das plataformas digitais.
Dessa forma, argumenta-se que o direito do consumidor e seu normativo correspondente deve ser um dos pilares da regulação econômica, somando aos princípios já dispostos na proposta da SRE com outras disposições constitucionais, como a soberania nacional (art. 170, inciso I), a livre concorrência (art. 170, inciso II) e a repressão ao abuso do poder econômico (Art. 173, §4º), para promoção da justiça social nas relações econômicas (art. 170, caput CRFB). Tais princípios devem conjugadamente devem ser harmonizados de maneira e beneficiar mutuamente as políticas públicas em questão (Pfeiffer, 2010, p. 270).
Assim, por meio de uma regulação ex ante , os consumidores podem ter sua autonomia e controle beneficiados em mercados digitais competitivos, livres, justos e equitativos. Desta maneira, tais sujeitos estar ponderados na centralidade do desenho dessas normas.
Conclusão
Neste artigo, foram exploradas as relações entre a regulação econômica de mercados digitais e a defesa de consumidores. Mais concretamente, a partir do relatório apresentado pela SRE/MF em outubro de 2024 e de sua relação com a Sistematização da Consulta do CGI.br sobre Regulação de Plataformas Digitais (2023), foram analisadas as obrigações que potencialmente serão impostas a plataformas digitais do ponto de vista não somente de promoção da contestabilidade em mercados digitais, mas também da proteção da vulnerabilidade de consumidores.
Limitou-se a analisar o primeiro grupo de obrigações propostas pelo relatório da SRE, ou seja, aquelas que impactam grandes players de mercados digitais - ou plataformas sistematicamente relevantes, segundo a terminologia utilizada no relatório. Ainda que não sejam somente os grandes agentes de mercados digitais que suscitem preocupações com a defesa de consumidores, o poder econômico dessas empresas impacta não somente a concorrência, mas impacta ainda mais concretamente o elo mais vulnerável das relações comerciais: o consumidor.
O objetivo do artigo foi enfatizar, portanto, o forte benefício que regulações econômicas de mercados digitais podem ter no direito de consumidores, sem excluir outras propostas de aprimoramento do arcabouço regulatório de maneira a aprimorar a proteção contra abusos em mercados digitais, como é o caso das obrigações do segundo grupo sugerido pela SRE/MF, que diz respeito a corrigir menores desequilíbrios de poder entre agentes de mercado. Pela análise, conclui-se que as obrigações que estão sendo delineadas para serem incluídas na proposta de regulação de mercados digitais potencialmente favorecem não somente a competitividade desses mercados, mas também os consumidores, ainda que de maneira mediata, mas ainda assim concreta (Pfeiffer, 2010).
A partir desta análise, pretende-se contribuir para que as políticas públicas avancem na incorporação da defesa dos consumidores — enquanto princípio da ordem econômica e direito fundamental — como objetivo expresso da regulação econômica de plataformas digitais. Almeja-se, igualmente, que tal proteção seja ponderada de maneira central no processo regulatório, em articulação com as metas de promoção da concorrência e de fortalecimento da competitividade.
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1 União Europeia, Reino Unido, Austrália, Japão, Alemanha, Estados Unidos, África do Sul, Índia, Taiwan, Cingapura.
2 Ainda que o relatório de benchmarking tenha abrangido diversas jurisdições, para fins comparativos este artigo focará no DMA. A escolha é decorrente do fato de que o regulamento europeu é considerado o principal exemplo de regulação de mercados digitais, por conta dos relevantes antecedentes de análise de casos de condutas anticompetitivas por parte da CE e pela autoridade concorrencial de alguns Estados-Membros e pela relevância econômica e populacional da União Europeia.
3 Neste artigo, optou-se por delimitar a realizar a análise de (propostas de) regulação relativas a mercados digitais e não qualquer proposta relativa a plataformas digitais. Até o momento, foram realizadas discussões relevantes sobre políticas de moderação de conteúdo e de promoção do devido processo informacional (como o PL 2630, que teve forte inspiração no Digital Services Act, da União Europeia) e também sobre normas específicas aplicáveis a crianças e adolescentes nesses ambientes (em especial o PL 2628, que tem avançado sua tramitação no Congresso Nacional). Tais temas são meritórios de aprofundamento próprio em outras pesquisas.
4 Recorda-se que uma das vantagens da regulação de mercados digitais é a desnecessidade de delimitar mercado relevante, o que tradicionalmente se faz na análise antitruste. A interpretação das relações competitivas em mercados digitais em formato de ecossistema facilita a compreensão de suas dinâmicas de acordo com suas características, em especial suas fortes economias de escopo.
5 A proposta de regulação da SRE não menciona explicitamente a equidade, como o DMA. Segundo o relatório, os objetivos da regulação seriam: “contestabilidade, governança, liberdade de escolha e transparência”, especialmente considerando a promoção da competitividade no mercado brasileiro. Entretanto, as obrigações propostas também se aproximam ao objetivo de equidade, visto que dizem respeito a relações não somente interplataformas, mas também intraplataformas. Sobre a análise dos objetivos do DMA em relação às suas respectivas obrigações, c.f. Bostoen, 2023, p. 263.
6 CADE. Processo Administrativo nº 08012.010483/2011-94 (E-Commerce Media Group Informação e Tecnologia Ltda/ Google inciso e Google Brasil Internet Ltda).
7 Ainda que as recomendações da OCDE sejam focadas para plataformas de e-commerce, muitas de suas recomendações são transversais a relações que consumidores estabelecem com empresas no mundo digital, motivo pelo qual se amplia a interpretação das recomendações para outras plataformas digitais.
8 Para mais informações, acesse o Inquérito Administrativo nº 08700.002940/2019-76: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.ph…