Redes de pesquisa e Internet: uma introdução

Redes de pesquisa e Internet: uma introdução

Nelson Simões, diretor geral da RNP - Rede Nacional de Ensino e Pesquisa e Conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)

Data da publicação: Julho | 2008

Quando a expressão “internet” surgiu, isto se passou num contexto de interconexão de redes. Naquele momento, ainda não existia o que hoje se conhece por Internet. De fato, a intenção seria tão somente resolver um problema na área de computação, uma ciência recém estabelecida, que se relacionava a uma nova modalidade de construção de redes de comunicação eletrônica, chamada comutação de pacotes.

Até aquela altura, na década de 70, poucas redes utilizavam esta nova técnica de enviar mensagens. Na comutação de pacotes, as informações são subdivididas em pequenas parcelas (pacotes), auto-suficientes com seus endereços de destino e origem, distribuídas por caminhos ou rotas, não necessariamente idênticos, e recolhidos ao final por um receptor. As aplicações militares da guerra fria exigiam a robustez desta técnica, que virtualmente não dependia de um único ponto de controle ou baseava-se em uma mensagem contígua.1

Algum tempo depois, surgiria a “cola” tecnológica que permitiu que três redes militares de pacotes, a princípio incompatíveis entre si, pudessem interconectar-se. Chamou-se TCP/IP2 e provocou o surgimento da primeira rede internet, a Arpanet. Este resultado que mudou nossa era, também gerou outro resultado muito importante para a academia.

Mesmo tendo participado ativamente de diversas pesquisas que geraram estas tecnologias, as universidades, principalmente nos Estados Unidos, mas também no Reino Unido, não tinham uma rede entre si para colaboração em pesquisa. O advento da Arpanet teve como conseqüência imediata o estabelecimento da primeira rede de pesquisa mundial. Desde então, infra-estruturas de comunicação avançada que constituem poderosas ferramentas de colaboração e, ao mesmo tempo, são laboratórios para testes e experimentação de novas tecnologias de informação e comunicação, as redes de pesquisa se disseminaram pelo mundo.

No Brasil, os primeiros passos da comunidade acadêmica resultaram no final da década de 80 na formalização de um projeto de pesquisa, coordenado inicialmente pelo CNPq, chamado Rede Nacional de Pesquisa, RNP. Sua missão foi construir uma rede que interconectasse todas as universidades e centros de pesquisa brasileiros, especialmente aqueles com atividades de pesquisa em redes de comunicação e computação. Por volta de 1996, estes objetivos foram alcançados. De fato, foram superados, se considerarmos os desdobramentos imprevistos, mas extremamente importantes para o país. Uma rede é tão importante e valiosa quanto os elementos que interliga, o que no caso da RNP, resultou que adotar política de interconexão de certas pessoas, recursos ou tecnologias, foi essencial para seu sucesso.3

Ao longo deste desenvolvimento, de forma semelhante às redes de pesquisa de outros países, vários resultados de suas aplicações foram avaliados e apropriados de forma pioneira nesta comunidade e, posteriormente, passaram a ser comercializados. Sem dúvida, o melhor exemplo foi a própria Internet comercial. Lançada em 1995, baseada na experiência acumulada pela academia, mas também por organizações do terceiro setor como o Alternex/Ibase4, permitiu o surgimento de novos provedores de serviços e acesso, alavancando o surgimento de uma nova indústria.

A partir de sua disseminação a tecnologia Internet se constituiu no cerne da convergência. Ao final dos anos 90, perdeu sentido criar redes de comunicação segregadas para voz (o terminal é o telefone, tarifado por assinatura e uso), dados (o terminal é o computador, tarifado por volume de dados) e imagem (o terminal é o televisor, na TV aberta, com receita oriunda de anunciantes). É possível fazer, com menor custo e crescente qualidade, tudo sobre IP. Significa que um único suporte tecnológico, a Internet, pode transportar, armazenar, redistribuir todas as mídias.

Isto vem criando, novamente como no passado, situações imprevistas. Afinal, redes distintas possuem marcos regulatórios distintos, regras de integração (por exemplo, interconexão) diferentes e, talvez o mais instigante, modelos de negócios inconsistentes entre si. Mas este pode ser um bom problema, pois surgiram oportunidades para novos atores – usar, criar ou até possuir uma rede, seja ela de voz, dados ou imagem, era extremamente caro e tarefa exclusiva para grandes corporações.

RNP HOJE

Uma rede de educação e pesquisa continua sendo crucial para os países que possuem visão estratégica sobre ciência, tecnologia, educação e cultura. Este valor vai além do potencial inesgotável que a tecnologia Internet demonstra para produzir desenvolvimento e autonomia. Em países em desenvolvimento como o Brasil é uma ferramenta poderosa para criar e expandir capacidade humana, tecnológica e institucional.

Com a institucionalização da RNP em 2001, sua posterior qualificação como Organização Social (OS), e a formalização do contrato de gestão com o Ministério de Ciência e Tecnologia, a RNP-OS passou a coordenar um Programa Interministerial do MEC e MCT para o desenvolvimento de redes com quatro objetivos estratégicos: (1) a disponibilização de uma infraestrutura de rede avançada para pesquisa e educação; (2) o desenvolvimento tecnológico de rede; (3) a capacitação de recursos humanos; e a (4) gestão de projetos de tecnologia de informação e comunicação.

Desde 2005, quando entrou em operação a quinta geração do backbone (rede troncal nacional), chamado Rede Ipê5, a comunidade acadêmica brasileira conta com uma rede multigigabit (as conexões interestaduais chegam a 10 gigabit/seg, equivalente a 1000 vezes a banda larga doméstica) que integra mais de 400 instituições em todo país – todas as universidades e centros de pesquisa federais, Embrapa, Fiocruz, Cefets, escolas agrotécnicas, hospitais universitários, entre outros.

Há deficiências na infra-estrutura nacional de telecomunicações que ainda não permitem que a Rede Ipê tenha conexões de alta capacidade em todas as unidades da federação - hoje dez estados estão ligados em alta capacidade, mas três capitais da região norte (Manaus, Boa Vista e Macapá) não possuem conectividade terrestre adequada. Apesar disto, em 2002 ficou claro que uma barreira importante para chegar com esta rede avançada em cada campus seriam as conexões metropolitanas, a famosa “última milha”. Apesar de necessário, não bastaria chegar com múltiplos gigabits em um ponto de presença (PoP) na capital, onde normalmente são realizadas as interconexões das instituições.

Foi então que, seguindo tendências já percebidas em redes comunitárias no exterior, foi lançado um projeto piloto na cidade de Belém que visava interligar as 13 instituições de educação e pesquisa que utilizam o PoP do estado do Pará, localizado na UFPA. A idéia é simples: criar, ou arrendar em longo prazo, cabos ópticos que permitam a este consórcio de instituições “iluminar” com seus próprios equipamentos a rede comunitária e criar uma capacidade muito alta (inicialmente a 1 Gb/s, no mínimo) a um custo bastante baixo.

O avanço da pesquisa em novos materiais (ex. lasers, fibras ópticas), na integração de dispositivos eletrônicos e em ciência da computação, entre outros resultados, fez com que ficasse bastante barato criar redes ópticas em distâncias de até 100 Km – dentro deste limite a potência da luz que conduz a informação digital não requer amplificação, ou seja, equipamentos adicionais ao longo da fibra óptica para reforçar o sinal.

Com equipamentos tecnológica e funcionalmente equivalentes aos que utilizamos em redes locais de escritórios é possível criar redes poderosas em áreas metropolitanas. Mais importante, o custo de ampliação desta capacidade é marginal ao longo do tempo de vida da infra-estrutura, superior a 20 anos – trata-se da solução ideal para grandes organizações, como universidades e centros de pesquisa, que demandarão sempre crescente capacidade de comunicação e colaboração, entre pontos fixos.

O sucesso do projeto piloto6, chamado MetroBel, produziu uma nova iniciativa em âmbito nacional, financiada pela FINEP/MCT, para estabelecimento de redes equivalentes nas 27 unidades da federação onde se localiza um PoP da RNP – Projeto RedeComep (Rede Comunitária Metropolitana de Educação e Pesquisa). Hoje já existem seis capitais com redes operacionais e, até o final deste ano, esperamos que na maioria das cidades esteja em produção.

Isto significa que cerca de 300 instituições de educação e pesquisa estarão interligadas a 1 Gb/s desde o campus. Estas organizações são as grandes responsáveis pelos conteúdos e aplicações que alimentam este sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. Deste resultado despendem as políticas públicas de educação ou saúde que contemplam ações de colaboração a distância (ex. Universidade Aberta do Brasil – formação de professores; Programa Nacional de Telesaúde – capacitação no Programa de Saúde da Família) utilizam aplicações como videoconferência, conferência pela Web, telemedicina, trabalho colaborativo, telefonia IP, entre outras.

No entanto, uma boa parte do público alvo destas ações e projetos não está interligado diretamente à Rede Ipê: alunos, profissionais, professores, diretores de escolas e postos de saúde estão interligados a um dos distintos provedores de Internet comercial. Neste caso, podem ser desde grandes provedores, associados à indústria de telecomunicações, como provedores menores ou regionais, presentes em todo o país. A única forma de assegurar a qualidade e a disponibilidade destas aplicações, em benefício de todos, é através de interconexão de redes ou troca de tráfego Internet.

Tendo sido o primeiro backbone Internet no Brasil, a RNP sempre incentivou a troca de tráfego com outros provedores. Esta prática iniciou-se através do PoP localizado em São Paulo, onde o primeiro backbone comercial brasileiro, a Embratel em 1995, estabeleceu um acordo de interconexão. Depois, por iniciativa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), vários pontos de troca de tráfego foram estabelecidos com apoio de outros PoP RNP em distintos estados.

Como nas origens da Internet, a possibilidade de interconectar de forma eficiente gera valor. Em 1992, quando ainda não existia Internet comercial no Brasil e nossas conexões internacionais eram utilizadas apenas para pesquisa, o interesse de tráfego entre o Brasil e o exterior era de 3:1, ou seja, buscávamos três vezes mais conteúdos do que fornecíamos. Hoje, o desenvolvimento da Internet no Brasil, a geração de conteúdos em língua portuguesa e de cultura brasileira, o aumento da produção de conhecimento científico e tecnológico no país e os negócios através da rede equilibram esta relação, e fazem com que conteúdos nacionais e locais sejam mais valorizados e procurados do que aqueles no exterior.

Por último, é preciso chamar a atenção para alguns indicadores. Em 2006, resultados de pesquisas nos Estados Unidos consolidaram uma tendência: pela primeira vez em anos, todo o setor de jornalismo televisivo perdeu audiência, e 50 milhões de norte-americanos informavam ler notícias na Internet, todos os dias. Com o acesso à mídia digital, 22% dos norte-americanos produzem vídeo e 14% colocam-no na Internet.7

No Brasil, com o progresso da banda larga doméstica, 47% dos usuários domésticos utilizam a Internet para ler notícias e 73% utilizam-na para educação8 O futuro certamente apontará aqui também para o expressivo aumento do vídeo na Internet – algo que na RNP foi percebido nos últimos três anos com a adoção maciça de videoconferências e difusão de vídeo, em todas as formas e qualidades, para comunicação e colaboração.

É neste cenário, muito mais instigante, que será importante promover além do espaço de colaboração da educação e pesquisa, novos modelos e tecnologias para interconexão de redes, compartilhamento de conteúdos e desenvolvimento humano para uso de TICs.

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1. Isto explica em parte porque continuam sendo inglórias as tentativas de centralizar o controle da comunicação ou assegurar a privacidade na Internet – seja para banir um vídeo no YouTube ou assegurar que não fomos invadidos.

2. Transmission Control Protocol / Internet Protocol.

3. Quem pode se ligar? O que pode fazer? Que tecnologia deve-se utilizar, um padrão de fato (OSI) ou uma técnica emergente (TCP/IP)? Que acordos de interconexão celebrar? Nem sempre uma escolha que hoje pode parecer óbvia, assim o foi durante o percurso.

4. O primeiro backbone IP brasileiro, a RNP ligando o Rio à São Paulo, foi utilizado pelo Ibase/Alternex para prover serviços de correio eletrônico na ECO92.

5. O Ipê típico da flora brasileira possui um tronco de madeira extremamente robusta e resistente, e na floração, entre os meses de maio e setembro, geralmente perde a totalidade de suas folhas e é coberto por flores de cor roxa, amarela, vermelha ou, mais raramente, branca. Trata-se de uma alegoria de uma rede avançada onde a riqueza está nas pontas, integradas por uma troncal. O Ipê também é a flor nacional.

6. Tipicamente o custo de implantação, incluindo equipamentos, gira em torno de R$ 20 mil/km. Isto significa que se comparado com os custos de soluções tradicionais de telecomunicações de menor banda, o retorno do investimento ocorre antes de 18 meses – atualmente no Brasil, soluções comerciais de banda equivalente, mesmo com custos maiores, raramente são oferecidas.

7. Pew Research Center.

8. Fonte: Comitê Gestor da Internet no Brasil


Referências

RNP: http://www.rnp.br

Projeto Redecomep: http://www.redecomep.rnp.br

Troca de Tráfego na RNP: http://www.rnp.br/ceo/peering.html

Pew Research Center: http://pewresearch.org/

CGIbr (TIC Domicílios): http://www.cetic.br/usuarios/tic/2007/index.htm