Os Guerreiros dos Dados Abertos estão lutando a favor de Robin Hood ou do xerife? Reflexões sobre a OKCon 2011 e a emergente exclusão informacional

Os Guerreiros dos Dados Abertos estão lutando a favor de Robin Hood ou do xerife?

Por Michael Gurstein, Diretor executivo do Centre for Community Informatics Research, Development and Training e editor-chefe do Journal of Community Informatics

Data da publicação: agosto 2011

Passei os últimos dias em um fascinante (e tenebroso) evento em Berlim – a OKCon1 – uma conferência para meganerds (neste caso, em sua maioria europeus) que estão em processo de recriar governos e potencialmente a própria governança na Europa Ocidental (e além).

O ideal que estes revolucionários estão buscando não é, como fizeram as gerações anteriores, – a justiça, a liberdade, a democracia – é a ‘abertura’: Dados Abertos, Informação Aberta, Governo Aberto. Exatamente o que ‘abertura’ significa nunca é precisamente definido (ao menos não no contexto desta conferência), de forma que um leigo possa compreender o conceito, e talvez criticá-lo. Mas a intenção era boa, animadora e convincente – um cálice sagrado a ser procurado pelos guerreiros do ‘World of Warcraft’ em uma missão contra os dragões do governo. Suas armas neste caso são habilidades técnicas e zelo suficientes para aniquilar quaisquer racionalizações e resistências à ‘abertura’ por parte de burocratas ou políticos – por exemplo, ao não quererem transformar seus baús cheios de tesouros de informações em nodos universalmente acessíveis, no fluxo contínuo do universo global de dados.

Se pareço um pouco cínico/cético não é porque eu não acredito neste objetivo da ‘abertura’(quem poderia ser obtuso o suficiente para apoiar coisas ‘fechadas’, sistemas fechados, portas fechadas, mentes fechadas...você entende). Acontece que eu vejo uma grande desconexão entre o idealismo destes revolucionários, com sua crença passional na verdade da sua causa, e a profunda ausência de qualquer ideia clara do que precisamente é esta causa e onde esta poderá levá-los (e a nós) no futuro breve.

Começando do começo... o movimento ‘dados abertos/governo aberto’ surgiu a partir de uma perspectiva profundamente política que afirma que o governo é, de maneira geral, ineficiente e ineficaz (e possivelmente corrupto) e que ele esconde esta ineficiência e ineficácia (e possivelmente a corrupção) do escrutínio público através da falta de transparência em suas operações – particularmente, negando ao público o acesso a informações sobre suas operações. Este acesso, uma vez disponível, daria aos cidadãos meios para responsabilizar burocratas e políticos por suas ações. Isto também daria a estes mesmos cidadãos uma plataforma sobre a qual trabalhar(ou ao menos colaborar) com os burocratas em certas atividades importantes – planejamento, análise, orçamento, este tipo de coisa. Além disso, através da implementação dos processos de crowdsourcing2 os burocratas poderiam usufruir do enorme benefício de ter acesso ao conhecimento e à sabedoria do público em geral. Em outras palavras – mas com essencialmente o mesmo significado –, o dinheiro público é do contribuinte e este tem o direito de participar na supervisão de como o dinheiro é gasto. Ter acesso ‘aberto’ aos dados e informações do governo dá aos cidadãos as ferramentas para exercitar este direito.

Além disso (conforme alguns argumentam), há soluções disponíveis para colocar nas mãos destes cidadãos e cidadãs os meios/ferramentas técnicas para selecionar, organizar e fazer análises críticas de atividades do governo – se apenas pudéssemos virar uma chave e ‘abrir’ a porta para acessar os dados governamentais.

Através de processos (parcialmente técnicos, parcialmente políticos) de persuasão, pressão política e eventualmente criação de políticas e mecanismos de intervenção, governos de toda parte estão em processo de desenvolvimento de sistemas técnicos internos para tornar ao menos parte da informação governamental disponível – abrindo a porta para pessoas (tais como estas, que participaram do OKCon) trabalharem e desenvolverem maneiras de tornar esta informação útil e acessível. Na conferência ouvimos jovens entusiasmados que estão fazendo acontecer estas mudanças em várias partes da Europa, Estados Unidos, Brasil, etc.

Grande parte da conferência foi composta de oficinas especializadas nas quais foram estudados detalhes técnicos de como fazer os links entre vários conjuntos destes dados recém-acessíveis a outros conjuntos de dados; como estruturar estes dados para que sirvam a vários objetivos, e, talvez ainda mais importante, como fazer o design da arquitetura e da ontologia (em última análise, políticas e processos de gerenciamento) dos dados dentro do governo, para que estes já “nasçam abertos” em vez de serem liberados somente após a ocorrência dos fatos que os geraram. Este processo tornaria muito maior a utilidade dos dados, no mundo de dados universalmente acessíveis e abertos.

Bem, até agora, tudo certo. Mas no primeiro dia da conferência, quando chegou a hora da minha apresentação, eu subitamente percebi que havia um cão na sala, um cão grande e importante que não estava latindo... Durante o primeiro dia do evento – e com uma ou duas exceções, também no segundo dia –, o que eu não escutei nem ao menos indiretamente foi uma discussão a respeito de quem seriam os usuários destes dados (aqueles que se beneficiariam da ‘abertura’) e qual seria realmente a utilidade destes dados.

Alguns podem se perguntar por que eu acho que este “cão que não late” tem tanta importância... por que importa quem será o usuário? O importante é que eles/nós tenhamos acesso aos dados e a melhor abordagem para isso é desenvolver um design que ‘qualquer um’ possa usar – um usuário universal – de forma que o que estiver sendo construído não seja um veículo, mas sim uma plataforma, e que não importe quem são os motoristas, se todos puderem usar a estrada.

Por isso, na ausência de qualquer expressão articulada de quem o (suposto) usuário ou usuária é, vamos especular um pouco sobre quem esta figura fantasma pode (ou não) ser – dado que em situações como esta tende-se, na ausência de outras influências, a voltar ao que é conhecido e familiar. Então aqui uma pessoa pode certamente imaginar que espera-se que o usuário seja mais ou menos como as pessoas que estavam na sala – jovens, inteligentes, falando bem inglês, muito bem educados, em sua maioria do sexo masculino, pouca ou nenhuma minoria de raça ou cor representada, a maioria de classe média, com muitas habilidades técnicas e com um conjunto de valores e conceitos que combinam com as características anteriores: por exemplo, altamente individualistas, competitivos e não-tolerantes.

Minha hipótese é que o suposto usuário destes dados e dos tipos de medidas (políticas, procedimentos, programas), pelas quais existem batalhas e que estão sendo incluídas em políticas e práticas governamentais parecem muito com estas pessoas nesta conferência – o que me dá bastante medo. Sinto medo especialmente quando associo esta ideia às as evidências bastante fragmentadas que estão surgindo sobre quem estaria realmente utilizando estes dados abertos (o que corresponde bem à minha hipótese) e quais são os benefícios de seu uso.

Talvez o exemplo mais significativo até hoje de uma política de ‘abertura’ nacional seja a do governo indiano, a lei do Direito à Informação3 – que, comparada a qualquer padrão, é uma das legislações a favor do governo ‘aberto’ mais fortes do mundo. Acontece que houve falhas (que me parecem erros fatais) na legislação/programa que só agora estão ficando evidentes. As falhas mais significativas são a falta de mecanismos de controle de aplicação das leis, e, talvez ainda mais importante, a falta de uma estratégia para a ampla implementação desta política nas bases da sociedade, com foco no usuário final.

O que aconteceu na Índia é que, ao construir a (falsa) hipótese de que usuários finais, como cidadãos, teriam os meios para usar esta lei para exercitar seu direito à informação sem auxílio adicional ou algum tipo de intervenção, a Índia criou uma situação na qual os indivíduos precisam participar por si mesmos de uma luta desequilibrada pelo acesso e uso da informação, e o resultado tem sido uma onda de assassinatos – na qual as vítimas são aqueles que tentam utilizar a informação para expor casos de corrupção, nepotismo e uso indevido do dinheiro público.

A legislação não fornece mecanismos para garantir a aplicação da lei – e assim indivíduos e grupos tiveram que assumir por sua própria conta a tentativa de obter acesso às informações desejadas através de ações individuais. Portanto, ao invés de ter uma legislação focada no usuário final em potencial – aquele que conforma as suas multidões –, a Índia simplesmente promoveu um ‘acesso’ conceitual e deixou o restante com os cidadãos e indivíduos, gerando resultados nefastos.4

Mas por que estes jovens entusiasmados, que estão a cinco mil milhas de distância da Índia, deveriam se importar? Bem, se olharmos para um dos poucos estudos detalhados sobre o usuário final5 (Escher) de um projeto de dados abertos6 da ferramenta para a democracia cidadã online TheyWorkForYou.com, começamos a perceber um padrão:

“Em geral, a demografia destes usuários vai além dos preconceitos tradicionais na participação política: na TheyWorkForYou.org o público com mais de 54 anos tende a estar super-representado, enquanto as pessoas com menos de 45 anos estão sub-representadas em comparação à população da internet. Em termos demográficos existe um viés forte para o sexo masculino e uma forte super-representação de pessoas com ensino superior, o que traduz uma forte participação de grupos de renda alta... Um em cada cinco usuários (21%) do site não esteve politicamente ativo no último ano’’.

Se eu entendi bem, isso significa que 79% dos usuários deste website (e da informação relacionada a ele) mostraram-se politicamente ativos no último ano! Então esta tentativa para melhorar a participação democrática acabou oferecendo uma oportunidade adicional para aqueles que, devido à sua renda, educação – e outras características típicas daqueles que têm um status mais alto – já possuem os meios de se comunicar e de influenciar políticos. Esta informação e este canal de comunicação adicionais, portanto, têm o efeito de reforçar padrões de oportunidade que já existem, ao invés de ampliar a base de participação e influência.

Em um post anterior7 analisei um caso similar: os resultados de um programa para digitalizar registros de terras em Bangalore que teve o efeito imprevisto e perverso de fornecer um meio para que os ricos proprietários de terra ampliassem suas propriedades e riqueza às custas dos pobres, porque eles tinham o conhecimento sobre como utilizar a nova informação posta à disposição, bem como os recursos para empregar profissionais para ajudá-los a interpretar a informação da maneira mais útil para eles.

Por isso importa muito quem é o (suposto) usuário, já que o que está se constituindo são as estruturas para o ambiente de dados do futuro, da qual fazem parte algumas hipóteses e pressupostos sobre quem é e quem será o usuário final – e se irá ou não emergir uma nova ‘exclusão informacional’ mais profundamente embrenhada no tecido da Sociedade da Informação do que a anterior ‘exclusão digital’. Em cada uma destas instâncias, pelo fato de não se prestar atenção em quem serão os usuários finais em potencial dos ‘dados e informações abertos’ (e portanto não havendo intervenções para se redefinir isso), o efeito tem sido o de reforçar ou até mesmo estender as estruturas de poder e de influência existentes, ao invés desta abertura ser uma base para uma participação democrática mais inclusiva. Na ausência de modelos explícitos de um usuário final - e consequentemente de um design de processos apropriado para abrir a informação e torná-la acessível para a maior (e menos implicitamente discriminatória) gama de pessoas possível, o resultado será o que temos visto: o usuário é aquele que já está em condições de utilizar a informação por conta de suas habilidades, conhecimento, poder ou status.

Para que estes processos não gerem este tipo de resultados, o designer de dados deve basear seu trabalho em um modelo implícito de usuário que não tenha renda alta, que não tenha características de cor, gênero ou classe que automaticamente representem influência e poder.

Já lidei com a questão de como garantir oportunidades para uma base mais ampla de uso efetivo (e de usuários efetivos) de tecnologias de informação e comunicação em outra ocasião8 – mas neste contexto, como uma recomendação para aqueles que apoiam e para aqueles que estão desenvolvendo projetos de Dados Abertos, gostaria de sugerir que haja um comprometimento formal de dedicar 10% dos recursos dos projetos e programas, o que inclui tempo e dinheiro, para garantir que os Dados Abertos sejam utilizados por grupos e indivíduos que não têm habilidades técnicas, que não são de classe média/alta, que não se encontram ativos nos processos políticos mas que possam fazer o melhor uso dos recursos que estão se tornando acessíveis.9

‘ABERTO’ - NECESSÁRIO, MAS NÃO SUFICIENTE

Meus comentários e reflexões sobre a recente conferência da OKCon, o evento anual da Open Knowledge Foundation10 (OKF) parecem ter causado um pouco de polêmica entre certos membros sêniores da OKF. O resultado foi uma série de comentários no meu post original e agora uma resposta num post em um blog11 criado por Peter Murray-Rust, um membro do conselho da OKF, com sérias reações ao meu texto.

Em relação a esta repercussão eu afirmei, em uma discussão paralela que se desenrolou online, que eu acredito que uma medida do sucesso de uma postagem em um blog é quando esta suscita comentários que a superam em termos de paixão, conhecimento e inteligência – e é isso que está acontecendo, neste caso.

Então, onde estamos? Primeiro, quero esclarecer o máximo possível minha própria posição, só para ter certeza que fique evidente que eu sou fortemente a favor da ‘abertura’, tanto no sentido mais trivial de ‘abertura para tudo’ (quando não ser ‘aberto’ significa apoiar o ‘lado sombrio’), e no sentido mais construtivo dado ao termo, que é utilizado pela OKF no seu website: ‘Um conteúdo ou dado que é aberto para qualquer um e é grátis para utilizar, re-utilizar, e redistribuir – sujeito somente, ao requisito de se atribuir e partilhar este dado da mesma forma’.

Uma breve biografia pode ser relevante neste momento. Passei a maior parte dos últimos quinze anos trabalhando no que agora é chamado de Community Informatics (CI)12 – que diz respeito ao uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) para empoderar e capacitar as comunidades. Há milhares de pessoas no mundo todo que se consideram profissionalmente dentro desta estratégia/disciplina/abordagem. A CI inclui uma publicação de acesso e arquivo abertos (da qual sou editor), revisada pelo público, um wiki13, várias e-listas14, conferências15, blogs, até cursos universitários, etc. Estou falando sobre isso porque a Community Informatics até certo ponto foi gerada no amplo contexto do ativismo local, técnico, político, baseado em respostas à exclusão digital – entendida em termos amplos como a divisão entre aqueles que têm e aqueles que não têm acesso às TICs.

A CI trouxe um componente chave a este contexto, que foi a noção de que embora o ‘acesso’ às TICs fosse uma condição necessária para superar a exclusão digital, somente o acesso era ‘insuficiente’ para tornar disponível (e operacional) a gama de oportunidades para a promoção de avanços sociais e econômicos que as TICs tornam possíveis, e que tem transformado tão intensamente (e fortalecido, enriquecido e empoderado) negócios e governos. Por isso, a necessidade de darmos passos adicionais, promover intervenções e dar apoio para transformar ‘acesso’ em oportunidades – o que eu chamo de ‘uso efetivo’.16 Vejo um paralelo direto entre as questões que meus colegas e eu (e muitas outras pessoas) temos trabalhado nestes últimos quinze anos no contexto da exclusão digital e o que vejo agora em relação a Dados Abertos e movimentos relacionados.

Certamente não sou contra Dados Abertos e Governo Aberto da mesma forma que não sou contra a distribuição mais ampla possível do acesso à internet e a outras ferramentas de TICs (e isto tem sido o foco do meu trabalho nos últimos quinze anos). No entanto, da forma como vem sendo delineado o movimento de Dados Abertos em termos do objetivo geral do movimento, os Dados Abertos em si são insuficientes para realizar as mudanças positivas no governo, na ciência e na democracia. De alguma forma o argumento aqui é mais claro do que foi em relação aos esforços para superar a exclusão digital. Comentando a resposta de Peter Murray-Rusk ao meu primeiro post sobre o assunto, Egon Willighagen diz:

Dados Abertos não diz respeito a apresentar dados (governamentais) de maneira legível para a compreensão do público em geral, para que este possa tirar proveito dos dados (embora eu entenda por que ele tenha tido esta ideia), mas Dados Abertos diz respeito a tornar isto politicamente e tecnicamente *possível*. Ele não entendeu isso, infelizmente.

Respondendo a Egon (e a Peter), eu entendi muito bem a questão sobre Dados Abertos; é precisamente sobre isto que estou sendo crítico. Estou argumentando que Dados Abertos, apresentados desta forma, são suficientes apenas para fornecer recursos adicionais para ao Xerife de Nottingham e não para o Robin Hood.

‘Dados Abertos’, conforme articulado acima por Willighagen, é como um clube privado – tecnicamente (e legalmente) aberto para associação, mas os sócios precisam ter educação, recursos, habilidades técnicas - de forma que o clube se mantém ao alcance de um grupo bem seleto.

Allison Powell, com seus comentários atenciosos nas minhas discussões do blog (no contexto de ‘Hardware Livre’) fala sobre aqueles que estão numa posição, através de pré-condições de riqueza, conhecimento técnico e poder, de se apropriar dos resultados da ‘Abertura’ (no caso, de hardware) para seus próprios objetivos corporativos.

Parminder Jeet Singh em seus comentários contrasta a ideia de Dados Abertos com a de Dados Públicos – uma terminologia e mudança conceitual com a qual estou começando a concordar – onde Dados Públicos são dados não somente ‘abertos’ mas também estruturados para serem utilizados pelo ‘público’ em geral (a população).

No contexto original da exclusão digital articulei noções sobre o que chamei de uso ‘efetivo’, ou seja, os fatores que precisam existir para que ‘acesso’ possa ser transformado em ‘uso’ pela população. Em uma postagem anterior17 eu transferi estes conceitos e os atualizei em um contexto de ‘Dados Abertos/Conhecimento Aberto e gostaria de sugerir que através da implementação da estratégia de incorporar o uso ‘efetivo’ de dados, o valor real deste projeto pode ser atingido e os perigos análogos de uma exclusão informacional podem ser evitados.

EXCLUSÃO INFORMACIONAL? OS QUE ‘TÊM’ E OS QUE ‘NÃO TÊM’ INFORMAÇÃO E OS DADOS ABERTOS GOVERNAMENTAIS

O conceito e substância da exclusão digital18 têm sido intensamente discutidos e pesquisados. A definição mais básica é: a divisão entre aqueles que têm acesso às Tecnologias da Informação e Comunicação, particularmente a internet, e aqueles que não têm este acesso.

Minha intenção aqui é me concentrar na discussão sobre a exclusão informacional – particularmente pensando em Dados Abertos Governamentais - neste momento, quando as coisas estão de alguma forma em fluxo, e existe uma possibilidade real daqueles mais diretamente envolvidos, designers de dados e funcionários públicos, prestarem atenção e intervirem de forma positiva.

Pesquisadores têm explorado19 extensivamente a gama de barreiras sociais, econômicas e geográficas que fundamentam e até certo ponto explicam (causam) a exclusão digital. Minha contribuição20 tem sido argumentar que “o acesso não é suficiente”, o que faz diferença são oportunidades e pré-condições para o “uso efetivo” da tecnologia, especialmente para as camadas mais populares.

Passou a me ocorrer a ideia de uma possível exclusão paralela – o hiato informacional21 entre aquelas pessoas que têm acesso aos dados e oportunidade de fazer uso efetivo deles (particularmente dos dados abertos) e as que não têm. Eu estava participando de vários eventos de planejamento/contratação para o movimento de Dados Abertos aqui em Vancouver e a demografia social e parte dos princípios políticos pareciam destoar da posição que advogava “dados para todos”.

Portanto, os “dados abertos”22 que estavam sendo defendidos provavelmente não seriam acessíveis e utilizáveis para grupos e indivíduos com os quais a Community Informatics tem se preocupado – as comunidades, os pobres e marginalizados, os indígenas, a população rural e moradores de favelas em países menos desenvolvidos. Foi – e ainda é – difícil ver, de acordo com as explicações dadas até o presente, como estas pessoas poderiam utilizar estes dados de maneira efetiva para ajudá-las a responder às oportunidades para o avanço e melhorias sociais que os ativistas de dados abertos vêm apontando como o resultado de seus esforços.

À medida em que eu mostrava esta inquietude em fóruns públicos e através do meu blog23, tornou-se mais claro que muitos envolvidos no movimento de ‘dados abertos’ viam seus interesses e atividades limitados a tornar a informação ‘legalmente’ e ‘tecnicamente’ acessível – e o que aconteceria após isso seria responsabilidade de outros. Com isso concordo em parte. Assegurar a mais ampla oportunidade para o uso de, por exemplo, Dados Abertos Governamentais é uma grande responsabilidade pública obviamente partilhada entre autoridades públicas e desenvolvedores técnicos; na minha opinião os técnicos ficariam com a responsabilidade de certificarem-se de que, do seu lado, nenhuma barreira seja introduzida e que barreiras técnicas existentes sejam removidas para permitir o mais amplo uso dos dados.

Conforme fui pensando mais claramente nestas questões eu percebi que enquanto existiam paralelos marcantes entre a exclusão digital e o que eu vinha rapidamente associando como uma exclusão informacional, também existiam diferenças significativas – por exemplo, enquanto a exclusão digital lida com questões de infraestrutura em sua maior parte, a exclusão informacional se concentra em questões de conteúdo.

Além disso, enquanto a exclusão digital pode existir como resultado de considerações geográficas e políticas - e por isso ter efeitos uniformes sobre todos aqueles no lado desfavorecido da linha de exclusão, seja qual for sua situação sociodemográfica -, a exclusão informacional (e particularmente um dos componentes mais importantes do movimento de dados abertos, que trata dos dados abertos governamentais), teria efeitos especialmente negativos e resultaria em significativas oportunidades perdidas para grupos e indivíduos mais vulneráveis na sociedade e no mundo.

A exclusão informacional seria então a diferença entre aqueles que têm acesso e têm a capacidade de utilizar Dados Abertos Governamentais e aqueles que não têm nem acesso, nem capacidade. Sugeri em outro momento24 que existem vários componentes e camadas através dos quais a exclusão informacional (com base em uma análise similar da exclusão digital) pode ser compreendida:

1. infraestrutura - estar em situação de exclusão digital e portanto não ter acesso à infraestrutura básica que sustenta a disponibilidade de dados abertos governamentais;

2. ferramentas - dados que não são acessíveis universalmente e cujo acesso depende de ferramentas específicas (por exemplo, que só funcionam em um iPhone);

3. software - dados ‘acessíveis’ que requerem software e/ou treinamento específico para serem ‘utilizáveis’;

4. conteúdo - dados não desenvolvidos para serem utilizados por pessoas com deficiências, que não falam inglês ou com níveis baixos de escolaridade;

5. interpretação/sentido - dados que só são acessíveis para o uso através de um intermediário técnico ou somente podem ser utilizados se ‘interpretados’ por um intermediário profissional;

6. ativismo - se os dados abertos governamentais estão em um formato e contexto que apoia seu uso em atividades de advocacy e ativismo social em nome de indivíduos e grupos marginalizados;

7. governança - se os processos relacionados a dados abertos governamentais incluem representação do público em geral em sua política de desenvolvimento e governança (não somente advogados, técnicos e funcionários públicos).

Intervir neste estágio relativamente inicial, através de designers de dados abertos ou programas e políticas do governo (ou de outros atores) – pode ajudar a evitar a exclusão e prevenir muitos dos efeitos negativos (e eventualmente os altos custos para sua correção) e oportunidades perdidas associadas à exclusão.

Minha sugestão – e esperança - seria que um mínimo de 10% das despesas com dados abertos do governo fossem direcionados para assegurar que não sejam criadas estruturas que determinem novas formas de exclusão como resultado de projetos de dados abertos governamentais. Contribuições para a formação de capacidades para o uso dos dados, para a educação digital, para a criação de interfaces de design para usuários com deficiências, para apoiar atividades de advocacy com base em dados abertos, para assegurar que o projeto de dados abertos não seja dependente de ferramentas específicas, para ajudar na ampliação da participação dos cidadãos e cidadãs na governança dos dados abertos, entre outras medidas, seriam muito importantes para alcançar o objetivo de uma verdadeira inclusão informacional.

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1. The Open Knowledge Conference. Ver sobre o evento em http://www.okcon.org/
2. Ver em https://en.wikipedia.org/wiki/Crowdsourcing
3. Ver em http://righttoinformation.gov.in
4. Ver: Primeiro Assassinato por conta do Direito à Informação - http://www.foiadvocates.net/es/noticias/43-news/237-first-right-to-infor.... Outro Ativista pelo Direito à Informação Assassinado na Índia - http://www.imaxi.org/content/another-right-information-activist-murdered.... Três Ativistas pelo Direito à Informação foram assassinados neste país em três meses - http://www.tehelka.com/story_main47.asp?filename=Ne091010Dead_Right.asp
5. Em http://www.mysociety.org/wp/wp-content/uploads/2011/06/TheyWorkForYou_re...
6. Este projeto tem sido reproduzido em algumas jurisdições nacionais.
7. Em http://gurstein.wordpress.com/2010/09/02/open-data-empowering-the-empowe...(link is external)
8. Ver em http://gurstein.wordpress.com/2010/09/09/open-data-2-effective-data-use/(link is external)
9. Para as pessoas que tiverem interesse em minhas reflexões sobre o “Como fazer” recomendo uma postagem anterior do blog no qual há uma versão editada de artigo publicado numa edição recente de First Monday: em http://gurstein.wordpress.com/2010/09/09/open-data-2-effective-data-use/(link is external)
10. Ver em http://www.okfn.org/(link is external)
11. Ver em http://blogs.ch.cam.ac.uk/pmr/2011/07/06/why-openness-matters-to-me-and-...(link is external)
12. Para saber mais: http://en.wikipedia.org/wiki/Community_informatics
13. Em http://cirn.wikispaces.com/
14. Ver em http://vancouvercommunity.net/lists/info/ciresearchers
15. Ver em http://cirn.wikispaces.com/prato2010
16. A definição do conceito pelo autor está em artigo na First Monday: http://firstmonday.org/htbin/cgiwrap/bin/ojs/index.php/fm/article/view/1...
17. Em http://gurstein.wordpress.com/2010/09/09/open-data-2-effective-data-use/
18. Ver em http://en.wikipedia.org/wiki/Digital_divide
19. Uma lista destes pesquisadores está em http://scholar.google.com/scholar?hl=en&rlz=1G1ACAW_ENZZ323&=&q=
20. Ver em http://ojphi.org/htbin/cgiwrap/bin/ojs/index.php/fm/article/viewArticle/...
21. Ver artigo na revista First Monday: http://firstmonday.org/htbin/cgiwrap/bin/ojs/index.php/fm/article/view/3...
22. Ver em http://en.wikipedia.org/wiki/Open_data
23. Ver em http://wp.me/pJQl5-7h
24. No blog: http://gurstein.wordpress.com/2010/09/09/open-data-2-effective-data-use/