De volta à névoa: o futuro do Facebook

De volta à névoa: o futuro do Facebook

Jose Marichal, Professor Associado de Ciência Política - Universidade Luterana da Califórnia

Data da publicação: junho 2013

É óbvio que o Facebook tornou-se um sólido fenômeno global com mais de um bilhão de contas pelo mundo afora. Mas o que a influência global do Facebook significa para o nosso ‘eu’ político? Está bem entendido que o crescimento do Facebook nos leva a criar um “segundo eu” online que, embora relativo ao nosso eu primário, não é simplesmente uma reprodução digital dele. O que ainda não entendemos, contudo, é como esses nossos “segundo eu” e “eu primário” se interrelacionam e como eles nos ajudam a nos relacionarmos com o mundo.

Comecei a escrever meu livro Facebook Democracy1 com essa citação da mística obra Viagem a Ixtlan, de Carlos Castañeda, onde o índio yaqui Don Juan oferece conselhos ao jovem Castañeda:

É melhor apagar toda a sua história pessoal; assim, nos isentamos das expectativas que as pessoas têm de nós. Pouco a pouco, fui cr iando uma névoa no entorno da minha pessoa e da minha vida. E agora, ninguém sabe ao certo quem sou ou o que faço. Nem mesmo eu. Como posso saber quem sou quando sou tudo isso? Pouco a pouco, você precisa ir cr iando uma névoa à sua volta; precisa apagar tudo à sua volta até que não haja o que se presumir a seu respeito, até que nada seja decerto ou real. O seu problema agora é que você é real demais. Seus afazeres são demasiadamente reais; suas disposições são demasiadamente reais. Não se dê por convencido de que as coisas são o que você acha que elas são. É preciso começar a se apagar a si mesmo.

Como cientista politico, importo-me com o impacto desse “ser demasiadamente real”, crivo dos conselhos de Don Juan, a respeito de nossas interações cívicas com os outros. A mídia social propicia uma “certeza” sobre o mundo capaz de inibir nossa capacidade de observar com o distanciamento necessário para que apreciemos o outro? Isso concede aos detentores de tal certeza a capacidade de nos julgar, correta ou preconceituosamente? Ou nos conecta ainda mais, aumentando-nos a empatia e tornando-nos capazes de compreender o sofrimento do outro?

O Facebook nos desafia a enfrentar os custos políticos de apresentarmos nossa voz para o outro. Um dos maiores paradoxos da Internet se encontra entre o seu poder de dar voz àqueles que, não fosse por ela, não seriam ouvidos na sociedade, e os perigos oriundos de desenvolver e apresentar essa voz aos demais. Ainda que expressar nossa voz online possa abrir campo para ameaças e abusos, a Internet também propicia um espaço de discurso para que grupos marginalizados desenvolvam uma indentidade caracterizada por seu engajamento a ideias e, em devidos momentos, mobilizem-se contra práticas opressivas.Facebook é um espaço propício ao convívio e aos laços através de suas várias “arquiteturas” (atualização de status, grupos, páginas, jogos, aplicativos de terceiros). Tanto que é pouca a tolerância para dúvidas, omissões, eventualidades e afastamentos (em outras palavras, para “criar uma névoa” à nossa volta).

Em algum nível, estamos sempre criando a nós mesmos. O Facebook é simplesmente uma extensão do processo ao qual o sociólogo Erving Goffman se referiu como “apresentação de si”. Em vez de enxergarmos o Facebook como um meio onde transcrevemos o nosso eu fora do espaço cibernético para exibi-lo no espaço digital, é mais exato enxergarmos nosso comportamento no Facebook como aquilo a que o estudioso da internet Nathan Jorgenson chama de “fan dance” (brincar de esconde-esconde diante dos fãs).

Entretanto, o Facebook busca um controle cada vez maior desse esconde-esconde. O que é ainda mais problemático para a autonomia de nossas apresentações online é o esforço que o Facebook vem fazendo em prol do “compartilhamento sem atrito”, onde as atividades dos usuários são automaticamente divulgadas para as suas redes. Jose Antonio Vargas conta, na revista New Yorker, essa anedota reveladora:

Zuckerberg imagina o Facebook tornando-se uma camada subjacente a quase todo aparelho eletrônico. Você liga a televisão e vê que quatorze dos seus amigos de Facebook estão assistindo “Entourage” e que os seus pais gravaram “60 Minutes” para você. Para comprar um telefone novo, basta inserir suas credenciais. Todos os seus amigos – e talvez o endereço de todos os lugares onde você e eles estiveram nos últimos tempos – estarão bem ali.

A quantidade de dados coletados sobre os usuários através do Facebook é espantosa. Por trás desse processo de atualizações constantes, de “curtir” ou deixar de fazê-lo, e de outras comunicações do Facebook, está o desejo de se mostrar. Trata-se de uma ferramenta usada para nos conectarmos com as pessoas que resolvemos incluir nas nossas redes íntimas (ou semi-íntimas, na maioria dos casos). Enquanto entidade de mercado, o Facebook prospera com base na necessidade humana de convívio. Como a maioria dos amigos online surge a partir dos relacionamentos offline, o Facebook pega a “esfera privada” de construção de relacionamentos íntimos e a coloca na “esfera pública”. Essas interações acumuladas entre amigos e família fortalecem laços individuais e, nesse sentido, nos encorajam a “nos apresentarmos” aos amigos. Para nos mantermos numa rede de amizade, talvez seja necessário “nos apresentarmos” com frequência no Facebook. Há pessoas para as quais essas “apresentações” podem acontecer até quando se está de férias em locais remotos. A habilidade constante de “ser real demais” onde quer que estejamos mundo afora praticamente impossibilita a criação de uma “névoa à nossa volta”. Fazer uma coisa dessas no ambiente de compartilhamento do Facebook há de criar custos sociais, emocionais e psicológicos.

À primeira vista, essa pressão para compartilhar parece mais propícia a uma participação democrática. Vários estudos2 nos Estados Unidos destacam os níveis mais profundos de engajamento aos quais usuários do Facebook são levados a partir de um convívio maior com ideias diversas e outras esferas de interesse em política. Mas a “certeza” nem sempre é a base ideal para o engajamento político. Nas instâncias de opressão verdadeira e ininterrupta, a certeza é uma ferramenta bastante válida para questionar o poder. Na melhor das hipóteses, o Facebook pode dar voz aos que não a possuem. Pode tornar visíveis os invisíveis. Pode tornar político um fenômeno, expresso por Appadurai (2002) como “governabilidade oriunda das bases”.

Entretanto, conforme sugere James Scott em Seeing Like a State (Vendo como um Estado), a apresentação pública de nossa voz também pode levar a dominação e controle. Os estados preferem que sejamos abertos, visíveis, transparentes, e que possamos ser contados.

Para a elite global, reforça-se a certeza. Embora o Facebook nos permita o convívio com outros, diversos, expor-se a ideias diversas não é a mesma coisa que integrar ideias diversas a um eu incerto e contingencial? O que não sabemos acerca do Facebook é como os usuários lidam com informações políticas das quais discordam. Eles as “bloqueiam” ou ignoram? Pelo visto, parece que as pessoas simplesmente retiram os amigos do feed em lugar de bloqueá-los. Como muda a interação com opiniões diferentes e potencialmente desagradáveis quando a conversa se dá no Facebook e não face a face? Estas perguntas ainda não foram respondidas. Uma forma de responder seria a pessoa se desligar da comunidade do Facebook de forma a tentar “criar uma névoa em torno de si”.

O Pew Internet and American Life Project lançou recentemente uma pesquisa sobre o uso da mídia social e do Facebook3 sugerindo que talvez estejamos chegando ao que Farhad Manjoo chama de “Pico do Facebook” nos Estados Unidos. Em 2012, dois terços dos americanos online eram usuários do Facebook. Isso em si era um aumento pequeno em relação a 2011, quando 59% dos usuários de Internet estavam no Facebook.

Porém, pelo menos nos Estados Unidos, a quantidade de “ex” usuários do Facebook (20%) supera a quantidade de gente que diz ainda não ter usado o Facebook, mas que gostaria de experimentar (8%).

A necessidade de convívio é forte e o Facebook criou uma encantadora “arquitetura de divulgação” que atrai os usuários para suas próprias redes semiíntimas. O fato de o impulso para sair do Facebook parecer mais forte do que o impulso para entrar, pelo menos nos Estados Unidos, sugere que há um desejo de se retirar dessa “segunda identidade”. Conforme a pesquisa do Pew, dentre os que saíram do Facebook:

(21%) disseram que as “férias” que tiraram do Facebook foram resultado de muita ocupação com outras demandas ou de não terem tempo para vistar o site. Outros mostraram certa falta de interesse no site mesmo (10% mencionaram isso de uma forma ou de outra) e também reclamaram de uma ausência de conteúdo envolvente (10%), de um excesso de fofoca ou de “drama” por parte dos amigos (9%), ou disseram-se preocupados com o fato de que estavam passando tempo demais no site e precisavam de um descanso (8%).

Esse afastamento das redes que nós mesmos criamos tem implicações políticas para nós enquanto seres politicos. Há interesses conflitantes quando vamos decidir se entramos para o Facebook ou não: uma necessidade de divulgar e de conviver versus uma necessidade de criar identidades individuais distintas que estejam constantemente expostas a novidades. Os 10% que falaram de “certa falta de interesse” podem estar querendo mais novidade em suas redes do que estavam obtendo. Devemos pensar no Facebook como parte desse continuum. Para os marginalizados, pessoas que se encontrem impedidas de acessar ferramentas de autoexpressão, o Facebook é atraente e pode ser um meio alternativo para cultivarem uma voz política. Mas aqueles cuja voz política já é ouvida em vários locais diferentes podem ter mais interesse em buscar a diferenciação e a novidade. Seus destinos políticos não estão amarrados a um espaço online específico; assim sendo, essas pessoas podem sair do Facebook sem que haja repercussões negativas para elas.

VOLTA À NÉVOA

Talvez o aumento na quantidade de usuários querendo sair do Facebook reflita, em algumas partes do mundo, um retorno do pêndulo em direção ao desejo de “criar uma névoa” em torno de si como forma de responder a uma Internet cada vez mais racionalizada e comodificada.

Dou aulas de Internet e Política na universidade desde 2009. Quando comecei a ensinar essa matéria, era otimista quanto ao potencial transformador dessa rede mundial. Estudiosos como Henry Jekins, Lawrence Lessig e Yochai Benkler, cada qual a seu modo, apregoam a salvação da sociedade pela Internet (ou, pelo menos, uma possibilidade), seja através da cultura de convergência, da cultura livre, ou da economia da informação em rede. Mas em 2013, a utopia da Web parece inocentemente pitoresca. Não é que esses autores deixassem de perceber os perigos da racionalização e centralização da Web, mas todos colocaram o controle da rede como uma pergunta em aberto.

Em seu livro A Chave Mestra, lançado em 2010, Tim Wu observa que a comodificação da Internet seguiu processo semelhante ao de muitas tecnologias do século 20, nas quais houve uma janela inicial de inovação com farta liberdade e expressão individual que logo foi fechada por entidades corporativas disputando o controle da tecnologia com vistas a obter ganhos comerciais.

O que isso significa para o nosso ser político? Evegny Morozov, num maravilhoso ensaio publicado no New York Times, lamenta a perda do cyberflaneur, brilhante termo para aquele que “passeia” pelo ciberespaço do mesmo jeito que um flaneur do século 19 passeava pelas ruas de Paris:

especialmente as arcades – aquelas galerias de lojas animadas e movimentadas com telhados de vidro – para cultivar o que Honoré de Balzac chamava de “gastronomia do olho”.

Morozov argumenta que a comodificação da Web nas últimas décadas tornou o “passeio” obsoleto. Em termos mais weberianos, a Web foi racionalizada4. Perdeu a noção de diversão, de vaguear sem objetivo pelos caminhos desconhecidos rumo ao inesperado. Morozov põe a culpa disso em várias coisas, inclusive na cultura dos “apps” que nos orientam para ver a Internet como um lugar onde se “realizam tarefas” e não se explora. Mas ele deixa para menosprezar mesmo o Facebook:

Tudo que possibilita a cyberflânerie — solidão e individualidade, anonimato e opacidade, mistério e ambivalência, curiosidade e risco – está sob o ataque daquela companhia. E não se trata de uma companhia qualquer: com 845 milhões de usuários pelo mundo afora, para onde quer que o Facebook vá, pode-se argumentar que a Internet também irá.

Morozov apresenta a Web nos seus primórdios como um espaço onde os usuários, através do anonimato, podiam se “deixar perder” no ciberespaço, ou o que ele chama em seu ensaio de “ver sem ser pego olhando”. Aplicado à política, isso se traduz num cidadão que observa, escuta e lê a cacofonia de vozes políticas antes delas o tomarem de assalto. Mas o Facebook, com sua ênfase na apresentação do eu, dificulta que se coloque em prática esse papel. Tem-se, como possíveis resultados, um afastamento completo da política ou uma certeza política. Nenhuma das duas opções parece ser um bom modelo para a cidadania democrática. Todavia, a tendência ao desligamento do Facebook aponta para um desejo demonstrado por algumas pessoas de retomar a noção de “ver sem ser pego olhando”.

1. Ver em http://www.ashgate.com/default.aspx?page=637&calcTitle=1&isbn=9781409444...

2. Em http://www.pewinternet.org/Press-Releases/2009/The-Internet-and-Civic-En...

3. Ver em http://www.pewinternet.org/Reports/2013/Coming-and-going-on-facebook.aspx

4. Ver em http://en.wikipedia.org/wiki/Rationalization_(sociology)