A Internet.org arrisca o futuro da Web no Paquistão
Arzak Khan, fundador e diretor do Internet Policy Observatory do Paquistão
Data da publicação: agosto 2015
O esforço de Zuckerberg-Telenor para trazer a Internet para o mundo em desenvolvimento é contraproducente. A Internet.org, parceria entre o presidente da Facebook Mark Zuckerberg e a operadora de telecomunicações norueguesa Telenor, procura oferecer o acesso à Internet para dois terços da população mundial que ainda não está conectada e trazer para todos as mesmas oportunidades que o mundo conectado tem nos dias de hoje. O projeto foi lançado em julho de 2014 na Zâmbia, em seguida na Tanzânia, Quênia, Colômbia, Gana, Índia, Filipinas, Guatemala, Indonésia, Bangladesh e Malavi.
Agora o projeto está chegando ao Paquistão, onde nasci. Através do aplicativo Internet.org, os 37 milhões de clientes da Telenor no Paquistão têm acesso via Internet gratuita a 17 sites, dentre os quais uma das mídias sociais, o popularíssimo serviço Facebook, juntamente com a BBC, a Wikipedia e outros serviços de notícias, saúde, educação, finanças e informação. Os objetivos da Internet.org baseiamse em um problema real que milhões de pessoas sem acesso à Internet no Paquistão enfrentam devido a baixos níveis de renda, custos elevados, falta de capacitação do usuário e, acima de tudo, uma precária infraestrutura de telecomunicações.
Apesar das aparentemente nobres intenções do esforço conjunto, a iniciativa tem mais percalços do que benefícios. Primeiro, tanto a Internet.org quanto a Telenor estão comercializando enganosamente para as pessoas essa iniciativa como “a Internet”, enquanto o livre acesso à rede propiciado não é a Internet de verdade, mas sim um limitado pacote de sites Web aprovados pela Facebook com significativas falhas de privacidade e segurança. Segundo, essa iniciativa não ajuda a resolver as questões de conectividade dos países em desenvolvimento como o Paquistão e ainda aprofunda sua gravidade ao oferecer uma plataforma para acesso restrito à Internet onde as pessoas de recursos econômicos mais escassos contam com parcas oportunidades de ingresso na economia cibernética global. Assim sendo, o esforço em questão pouco ajuda a resolver a exclusão digital.
Os paquistaneses merecem o direito de saborear a Internet de verdade, e não a que lhes é servida pela Internet.org. O sucesso da Internet se deve a sua abertura, igualdade de oportunidades e inovação. Plataformas como o Facebook não teriam sido criadas se Zuckerberg só tivesse acesso à Internet através de uma iniciativa como essa. Além disso, a Internet já é vista como um meio importante, capaz de ajudar países como o meu a desenvolver economias de sucesso. Mas o Paquistão é prejudicado por uma infraestrutura de banda larga precária, por velocidades baixas e indisponibilidade de acesso. Os paquistaneses que porventura se conectem pela primeira vez usando a Internet.org correm o risco de ficar sem saber o que é a Internet de verdade, que pode dar-lhes oportunidades ilimitadas de desenvolvimento socioeconômico, e acabar perdendo todo o interesse pelo que venha a ser a Internet.
Apesar do acesso limitado, a Internet já se tornou, num curto período de tempo, um poderoso veículo de mudança no Paquistão. Dos 191 milhões de paquistaneses, 30 milhões têm Internet, metade dos quais através dos seus telefones celulares, segundo o relatório de pesquisa da empresa Ansr.io. A Internet deu a essas pessoas a genuína liberdade de expressão sem censura. Paradoxalmente, a Internet.org veio colocar tal liberdade em risco.
Sua existência tem consequências que podem ser prejudiciais em regimes repressores como o do Paquistão, onde os governos querem pautar a censura à Internet em nome da segurança nacional e de valores sociais e religiosos. Através dessa iniciativa, a Facebook coloca-se estranhamente numa posição na qual os governos conseguem exercer pressão para bloquear certos tipos de conteúdo ou os usuários que os acessam. Isso pode ser especialmente prejudicial para usuários politicamente ativos em ambientes restritivos. Além disso, a segurança e a privacidade de usuários individuais também corre risco constante de sofrer ataques maliciosos e espionagem por parte do governo.
O objetivo de fornecer acesso à Internet de maneira universal e a custos razoáveis a todas as pessoas na face da Terra é grande demais e importante demais para ser resolvido apenas por uma empresa, um grupo ou um governo. Para alcançá-lo, é necessária uma abordagem coesiva multissetorial, capaz de demonstrar – além do compromisso com o interesse público – justeza e transparência. Quanto a esse esforço específico, através da Internet.org a Facebook parece estar mais interessada em expandir sua base de usuários e seu império de publicidade no mundo em desenvolvimento, tudo em nome de propiciar acesso gratuito à “Internet”. Essa nefasta agenda de desenvolvimento não é muito diferente daquelas que eram seguidas nos tempos do colonialismo, do imperialismo e em seguida do capitalismo, nos quais os governos e as corporações mais engenhosos exploravam os países pobres com falsas promessas de desenvolvimento.
Juntamente com todos os povos dos outros países em desenvolvimento, os paquistaneses merecem o direito a saborear a Internet de verdade, e não aquela entregue pela Internet.org. O esforço Zuckerberg-Telenor não só prejudica o crescimento, a liberdade e a expansão da Web no Paquistão como também arrisca criar uma Internet em dois patamares cerceando milhões de pessoas no mundo em desenvolvimento justamente no lado errado da exclusão digital.
(*) Este artigo foi publicado originalmente pela Al Jazeera America em http://america.aljazeera.com/opinions/2015/6/internetorg-risks-the-webs…