Redes Comunitárias de Educação e Pesquisa (Redecomep)
Michael Stanton, diretor de inovação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa e professor titular de redes de computadores do Instituto de Computação, Universidade Federal Fluminense
José Luiz Ribeiro Filho, diretor de projetos da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa
Vanessa Macedo, coordenadora de informações da diretoria de projetos da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa
Data da publicação: março 2009
Em artigo recente nesta revista1, Nelson Simões descreveu como a RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa), provedor de conectividade Internet avançada para as universidades, havia começado, em 2005, a construir redes ópticas metropolitanas para levar conectividade de alta capacidade (pelo menos 1 gigabit por segundo) entre seu ponto de presença, ligado à Rede Ipê (o backbone nacional), para os campi das suas instituições clientes em cada capital de estado. Aqui complementamos as informações de Simões sobre esta iniciativa, abordando as motivações econômicas e estratégicas, a forma de implementação e uma descrição sobre o alcance do programa.
Avanços em tecnologias de transmissão ópticas nos últimos vinte anos tornaram estas as principais responsáveis pela queda dos custos de telecomunicações e a conseqüente explosão de capacidade das redes de informação. Um cabo óptico, com 48 fibras, cada ma com diâmetro comparável a um fio de cabelo, custa menos de R$10,00 por metro, o que equivale a menos de R$200,00 por km de cada uma das fibra individuais. Uma única fibra óptica é capaz de transmitir informação a uma taxa da ordem de 50 terabits por segundo.2 Hoje é relativamente barato o custo de equipamentos que usam taxas de 1 Gb/s, ocupando apenas 0,02% da capacidade de uma fibra. Espera-se que dentro de cinco anos, a queda do custo de novas tecnologias fará com que seja possível substituir a atual geração de equipamentos, atingindo-se 10 ou 100 Gb/s, sem precisar substituir o cabo óptico já instalado, uma vez que vida útil do cabo é estimada em 25 anos.
Atualmente são substanciais os gastos em custeio das instituições de ensino e pesquisa para realizar a interconexão em área urbana dos seus campi, e para obter acesso à Internet, seja através da RNP, de redes corporativas – casos da CPRM (Serviço Geológico do Brasil) e EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) – ou através de provedores comerciais. De um modo geral, as conexões existentes são de baixa capacidade (entre 64 kb/s e 2 Mb/s), impossibilitando a utilização de aplicações mais modernas de comunicação, tais como videoconferência e processamento distribuído intensivo, que vêm se incorporando ao dia a dia das instituições com melhor conectividade. Aumentar a capacidade das interconexões entre os campi, assim como do acesso à Internet, quer seja via RNP, quer seja via provedor comercial, é tão caro atualmente que a manutenção deste modelo não abre perspectivas de melhorias na qualidade dos serviços de comunicação a um custo acessível para essas instituições.
A EXPERIÊNCIA DA REDE METROBEL
As operadoras de telecomunicações já se beneficiam das vantagens das tecnologias ópticas há vários anos. Porém, infelizmente, nem sempre o benefício destes custos menores é repassado por essas empresas aos seus clientes. Em 2004, a RNP conduziu um estudo em Belém do Pará sobre os preços efetivamente pagos por 12 universidades e instituições de pesquisa por sua conectividade, usando as redes das operadoras que atuam na região metropolitana de Belém. Em quase todos os casos as conexões em uso eram de 512 kb/s ou menos. Em seguida, calculou-se quais seriam os custos de montar e operar uma rede óptica nova a ser compartilhada pelas 12 instituições, e usando tecnologia Gigabit Ethernet (com taxas de 1 Gb/s). O resultado deste cálculo mostrou que (1) o custo do investimento na rede óptica correspondia a pouco mais de dois anos do custeio da situação existente, e (2) o custo total da rede (investimento e custeio) durante cinco anos para cada conexão de 1 Gb/s era equivalente a uma conexão de 256 kb/s aos preços de 2004, porém com capacidade 4000 vezes maior.
Para viabilizar esta solução seriam necessários três fatores: capital de investimento, direitos de passagem do cabo óptico, e a estruturação de uma comunidade de beneficiários. No caso de Belém, o capital de investimento veio do MCT (Ministério de Ciência e Tecnologia) , que contribuiu com R$1,13 milhões do Fundo Amazônia para cobrir o atendimento da maioria das entidades públicas, e de três universidades privadas, que contribuíram com cerca de R$320 mil, o que permitiu estender a rede, batizada METROBEL, para alcançar também o restante das entidades públicas, assim atendendo todos os 32 campi das 12 instituições inicialmente estudadas.
Para construir a rede, era necessário lançar 40 km de cabos ópticos entre os campi servidos, usando espaços públicos e infraestrutura de terceiros. Normalmente há duas alternativas principais: dentro de dutos normalmente subterrâneos, ou suspenso em postes, que podem ser dedicados ou compartilhados com outros cabos, por exemplo, de energia elétrica, TV ou telefonia. Em Belém, seguindo as práticas locais, foi adotado o cabeamento aéreo, com cessão de direito de passagem pelo dono dos postes – a Companhia Celpa, distribuidora de energia elétrica.
Para um empreendimento comunitário seria evidentemente necessário formar uma comunidade das instituições participantes para gerir em conjunto a nova rede, compartilhando os custos da sua operação. Neste caso, isso era relativamente simples, pois já existiam precedentes para a colaboração entre as diferentes entidades em Belém – seis eram universidades, que já colaboravam entre si e a Universidade Federal do Pará, que já mantinha relações com os institutos de pesquisa. Com estes precedentes, as 12 instituições celebraram um acordo para assumir as responsabilidades coletivas associadas à nova rede. A construção da rede de cabos levou 18 meses e a rede METROBEL entrou em funcionamento em maio de 2007, três anos depois da realização do estudo de viabilidade original. Mais detalhes sobre esta rede se encontram na Internet.3,4
A partir do modelo desenvolvido para Belém, o MCT lançou, em 2005, a iniciativa Redes Comunitárias de Educação e Pesquisa (Redecomep), coordenada e executada pela RNP, com recursos dos fundos setoriais gerenciados pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). A Redecomep nasce com a missão de prover a infraestrutura intermediária, em nível metropolitano, para permitir a interconexão das redes de campi das instituições de pesquisa e educação (IPEs) ao novo backbone óptico nacional da RNP, nas demais 25 capitais de estados do Brasil e Distrito Federal.
A metodologia adotada para a formação dos consórcios consiste na sua criação congregando um número variável de IPEs públicas e privadas, localizadas nas áreas metropolitanas de cada capital. A participação das IPEs privadas é custeada com recursos próprios e todas as instituições participantes precisam oferecer como contrapartida necessária à sua participação os recursos técnicos para a implantação, operação e manutenção das redes e, ainda, os recursos administrativos para a gestão dos consórcios. Outras organizações que não sejam qualificadas como IPEs podem integrar as redes metropolitanas comunitárias por meio de parcerias com o consórcio de IPEs, obedecendo às suas premissas e políticas de uso voltadas para o ensino e a pesquisa.
Cabe ressaltar que, embora a iniciativa tenha como alvo a comunidade acadêmica nas regiões metropolitanas escolhidas, percebeu-se logo no início do projeto que seriam importantes as parcerias estratégicas com os governos estaduais e municipais, a fim de assegurar ampla participação das IPEs nestas duas esferas. Além disso, um projeto dessa envergadura poderia ainda alavancar iniciativas locais de inclusão digital, modernização da administração pública e maior integração entre os níveis federal, estadual e municipal, a um custo marginal para o projeto. Desta forma, foi incluída no projeto de cada rede uma provisão adicional de quatro pares de fibras nos cabos ópticos lançados, reservando-se dois pares para uso do governo estadual e dois pares para uso da municipalidade, mediante acordo de cooperação a serem estabelecidos com o MCT e a RNP.
DESAFIOS DA GESTÃO COMUNITÁRIA
Um dos desafios do modelo de implantação das redes metropolitanas encontra-se na articulação das instituições participantes, especialmente no que se refere ao modelo consorciado de gestão. A natureza diversificada dessas instituições e, consequentemente, os seus regimes jurídicos, têm dificultado a definição de m modelo formal de gestão comunitária, especialmente no aspecto relacionado com a operacionalização das atividades de administração das redes. Como apresentado acima, os custos são significativamente baixos,comparando-se com a capacidade e preços ofertados pelas operadoras de telecomunicações. Entretanto, por se tratar de um modelo de rateio de despesas (em oposição ao modelo tradicional de contrato de prestação de serviços), os mecanismos formais da administração pública encontram entraves jurídicos para a viabilização dos repasses dos recursos financeiros de cada instituição participante, e sua administração centralizada.
A este problema soma-se ainda o desafio da negociação com as empresas distribuidoras de energia elétrica locais, uma vez que para a construção de uma rede óptica deste tipo, a solução mais econômica baseia-se no uso de postes nas vias públicas. As negociações com estas empresas para o uso da sua infraestrutura visam a formação de parcerias nas quais são realizadas permutas de fibras ópticas no cabo lançado para a rede em troca do direito de passagem5, viabilizando, assim, a um custo marginal (fibras adicionais), a construção da rede e barateando a manutenção ao longo de sua vida útil. De outra forma, seria necessária a realização de um contrato comercial de aluguel de ponto de fixação nos postes utilizados pela rede, aumentando assim a sua despesa de manutenção mensal.
Em ambos os casos, permuta ou aluguel, esbarramos em dificuldades relacionadas aos aspectos jurídicos do processo, que em geral resultam do formato inovador proposto pelo modelo consorciado de gestão. Em geral, as empresas distribuidoras realizam contratos comerciais com as empresas operadoras de telecomunicações, que pagam o aluguel para uso do direito de passagem nos postes. No modelo das redes metropolitanas não existe uma empresa locatária, mas um consórcio, via de regra representado por uma das IPEs participantes, e a RNP – como investidora na construção da rede e proprietária do cabo óptico. Este modelo tripartite tem implicações jurídicas e comerciais que vêm demandando longos períodos de negociações, atrasando significativamente (há casos de atrasos de mais de três anos) o início da construção das redes.
SINERGIAS E PARCERIAS ESTRATÉGICAS
Cabe destacar que este modelo de governança favorece um ambiente de maior cooperação entre as instituições locais, promovendo integração e parceria entre as esferas públicas federal, estaduais e municipais de ensino, assim como com as instituições de ensino superior privadas. Também vem proporcionando forte integração, do ponto de vista político, entre as diferentes esferas do poder público (municipal, estadual e federal).
Neste momento, já estão em operação nove redes metropolitanas: Belém, Manaus e Macapá, na região Norte; Brasília, no Centro Oeste; Fortaleza e Natal, na região Nordeste; São Paulo e Vitória, no Sudeste; e Florianópolis, no Sul do país. Ainda no segundo trimestre de 2009 deverão ser inauguradas as redes metropolitanas de Goiânia, Curitiba e Salvador. As demais redes encontram-se em fase de construção e deverão entrar em operação até o final deste ano.
m 2007, a partir dos primeiros resultados da Redecomep, o MCT resolveu estender a iniciativa para algumas cidades no interior, buscando atender à crescente demanda por conectividade das IPEs em cidades como São Carlos, Campinas, Ouro Preto, Pelotas, Niterói e Petrópolis (já em andamento), em um conjunto de dez cidades que já possuem pelo menos duas IPEs conectadas ao backbone da RNP. Esta nova etapa da iniciativa Redecomep tem como desafio adicional à construção da redes metropolitanas das capitais a articulação de parcerias estratégicas que permitam estabelecer as conexões de longa distância entre o POP (ponto de presença) da RNP na capital do estado e a rede metro no interior com capacidade adequada para escoar o tráfego gerado pelas novas redes gigabit.
No campo das aplicações, as redes metropolitanas viabilizarão a utilização daquelas que requerem maior capacidade de transferência de dados, tais como as que envolvem áudio e vídeo (tele/vídeo conferência, vídeo sob demanda, etc) e computação em grade, bem como a integração de comunidades temáticas – como a de física de altas energias, biodiversidade e telessaúde. Nesta última, a iniciativa da Rede Universitária de Telemedicina (Rute), também do MCT e executada pela RNP, vem dotando os hospitais universitários (HUs) de infraestrutura adequada para promover e ampliar a interação entre profissionais de diversas especialidades médicas em todo o país.
Em síntese, a iniciativa Redecomep, além de promover a interligação das IPEs por meio de uma infraestrutura óptica metropolitana dedicada e administrada em consórcio, vem permitindo também a criação de sinergias na comunidade de pesquisa e educação, sintonizando-a com interesses locais, regionais e nacionais; a criação de Arranjos Produtivos Locais (APLs) a partir da interação do consórcio com as entidades representativas dos interesses produtivos da região; o aumento significativo da capacidade de tráfego de dados para cada IPE; a troca de tráfego localmente entre as instituições participantes, sem intermediação das operadoras de serviços de telecomunicações; a integração de todas as IPEs dos consórcios ao “sistema RNP”, melhorando substancialmente a conectividade de toda a região às demais IPEs em todo o País; a redução do custo total com infraestrutura de comunicação de dados para o conjunto das IPEs; e, por último, a expansão da capacidade de comunicação de dados na rede metropolitana, praticamente sem custo adicional.
Em uma perspectiva de médio e longo prazo, a iniciativa Redecomep posiciona o Brasil como o país mais avançado na América Latina em termos de infraestrutura de comunicação de dados para redes acadêmicas com tecnologias modernas (ópticas), habilitando, além da utilização das aplicações já mencionadas, a interação e participação dos nossos pesquisadores em projetos colaborativos de escala mundial, como por exemplo, na procura do boson de Higgs com o novo acelerador de partículas europeu, LHC6; e no rastreio do movimento de placas tectônicas por meio de radiotelescopia (eVLBI).7
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1. “Redes de Pesquisa e Internet: uma introdução”, poliTICs, julho de 2008, pp. 913.
2. Um terabit por segundo (1 Tb/s) é o mesmo que mil gigabits por segundo (1000 Gb/s).
3. http://www.redecomep.rnp.br/?consorcio=17
4. http://www.poppa.rnp.br/metrobel/
5. Sobre o direito de passagem no campo das telecomunicações, ver o art. 73 da LGT, Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997.
6. http://veja.abril.com.br/250608/p_086.shtml
7. http://www.opovo.com.br/opovo/cienciaesaude/842489.html