Neutralidade da rede: Um documento informativo da Internet Society

Neutralidade da rede

Texto traduzido e adaptado para esta publicação por Raquel Gatto, coordenadora de desenvolvimento de capítulos da Internet Society nas Américas.

Data da publicação: outubro 2016

A neutralidade da rede é um tema complexo e controverso e parte importante de uma Internet livre e aberta. Permitir o acesso, a possibilidade de escolha e a transparência das ofertas de Internet permite aos utilizadores beneficiar de pleno acesso aos serviços, aplicações e conteúdos disponíveis na Internet.

Introdução

A Internet tornou-se uma ferramenta indispensável para utilizadores por todo o mundo e um facilitador fundamental da inovação e do crescimento econômico. É pouco provável que a procura por ligações à Internet com maior largura de banda diminua. Mesmo agora, alguns operadores de rede têm de usar técnicas de gestão de congestionamentos e de modelagem de tráfego para manter as suas redes a funcionar sem problemas.

Como resultado, alguns analistas temem que os operadores de rede sejam tecnicamente capazes de usar práticas de gestão de tráfego para dar tratamento preferencial a determinados fluxos de dados. Outros receiam que práticas destinadas a aumentar as receitas possam bloquear conteúdos considerados como concorrentes ou dar vantagens injustas certos conteúdos sobre outros. Os analistas consideram estas práticas problemáticas, especialmente quando discriminam intencionalmente determinados tipos de fornecimento de conteúdos em detrimento dos utilizadores finais. Esta situação gerou maior preocupação pública no sentido de que este tipo de práticas coloca em perigo os princípios de abertura e transparência da Internet.

Nos debates sobre política pública e regulamentação, o termo “neutralidade da rede” é frequentemente utilizado como um rótulo amplo. No entanto, este termo pode ter diferentes significados segundo o ponto de vista de quem o utiliza. Por exemplo, as discussões sobre a neutralidade da rede abordam muitas vezes preocupações relacionadas com a liberdade de expressão, a concorrência de serviços e a possibilidade de escolha dos utilizadores, o seu impacto na inovação, práticas de gestão de tráfego não discriminatórios, fixação de preços e modelos de negócio.

A partir deste diálogo da neutralidade da rede, alguns acreditam que é necessário implementar políticas e medidas regulamentares para preservar uma Internet aberta e para garantir que esta continua a ser um motor para a inovação, a liberdade de expressão e o crescimento económico. A Internet Society acredita que concentrar a atenção no resultado das práticas de gestão de rede, e não nas medidas técnicas ou políticas empregadas para obter esse resultado, permitirá a flexibilidade necessária nas operações de rede.

Considerações fundamentais

Um elemento-chave da arquitetura da Internet é que os dados dos usuários são transmitidos em datagramas padronizados de informações sem ter em conta o seu conteúdo, os emissores ou destinatários. Esta abordagem não discriminatória face ao tráfego de Internet é uma premissa central do funcionamento da rede, permitindo que os dados trafeguem sem impedimento quanto à natureza dos mesmos. Basicamente, esta abordagem de interligação aberta é um dos pilares que sustenta a Internet e que permitiram o seu êxito.

No entanto, na prática, os datagramas são por vezes tratados de forma diferente para fazer frente ao congestionamento da rede, às restrições de recursos, aos acordos comerciais e a outras considerações práticas relativas ao funcionamento da rede. Algumas operadoras de redes argumentam que os atuais recursos de largura de banda e infraestrutura estão congestionados e que para solucionar o problema e oferecer uma boa qualidade de serviço aos clientes é necessária um intervenção significativa sobre a gestão do tráfego nas redes.
Estas práticas de gestão de redes motivam o debate sobre se constituem ou não uma forma de tratamento justa e imparcial dos dados que viajam através da Internet. Também se questiona até que ponto as atividades de gestão de redes constituem práticas discriminatórias que potencialmente restrinjam o acesso a conteúdos e limitem a liberdade de expressão dos utilizadores da Internet.

Do ponto de vista operacional da rede, muitas das preocupações relacionadas com a neutralidade da rede são o resultado de uma questão fundamental sobre a própria concepção da Internet: a abordagem do “melhor esforço” para mover dados através das redes. Esta abordagem significa que se aplicam os melhores esforços do sistema para entrega todos os dados ao seu destino em função da disponibilidade dos recursos da rede. Contudo, esta abordagem não oferece um tratamento preferencial a um fluxo de dados sobre outro. Pelo contrário, esforça-se para tratar todos os dados de uma forma neutra e sem discriminação.

No entanto, nas operações do dia-a-dia, as operadoras de rede administram o tráfego de dados através de diferentes redes, ao mesmo tempo que dão resposta a eventos envolvendo segurança, falhas e congestionamentos imprevistos. Ainda que as práticas de gestão de dados sejam necessárias para o funcionamento normal da Internet, existe a preocupação que quaisquer manipulações do fluxo de dados de rede possam tratar certos dados e conteúdos de maneira prejudicial – o que pode implicar em que práticas de gestão de dados conduzem potencialmente a práticas comerciais anticoncorrenciais ou a outras consequências socialmente nocivas.

Obstáculos

Como se observa, existem diferenças de opinião sobre quais práticas de gestão de rede constituem atividades de rotina e são aceitáveis, e quais são excessivas e podem resultar em discriminação prejudicial, tanto para os usuários como para os fornecedores de conteúdos. Abaixo são descritos cinco desafios específicos geralmente discutidos nos diálogos sobre a neutralidade da rede:

1. Bloquear e filtrar: Bloquear ou filtrar conteúdos é uma prática segundo a qual se nega acesso aos utilizadores finais a certos conteúdos online em função de determinados controlos regulamentares ou objetivos de negócio dos provedores de serviços Internet, ou dos operadores de infraestrutura de rede, para favorecer os seus próprios conteúdos. Alguns consideram que a filtragem seletiva dos conteúdos de Internet vai contra os princípios de acesso livre e gratuito, especialmente quando favorece os serviços de um provedor. Outros veem o bloqueio e filtragem como métodos necessários para proteger crianças e adolescentes contra conteúdos censuráveis, ou para limitar a proliferação de conteúdos ilegais online.

2. Vias rápidas da Internet: A expressão vias rápidas da Internet refere-se à prática de dar tratamento preferencial de rede a determinados fluxos de dados com base em acordos comerciais entre operadores de Internet. Por exemplo, conteúdos de vídeo específicos podem ser fornecidos com maior rapidez através de uma rede mediante acordos comerciais entre as operadoras de rede. Há quem veja nestes acordos uma prática discriminatória inaceitável, dando tratamento preferencial a alguns dados na rede e potencialmente degradando o desempenho de outros. No entanto, outros veem as “vias rápidas” como uma maneira eficaz de entregar conteúdos aos usuários com uma melhor qualidade de serviço.

3. Estrangulamento: O termo estrangulamento refere-se a certas práticas comerciais que reduzem as taxas de transferência dos conteúdos entregues aos usuários finais. O estrangulamento pode incluir técnicas como limitar especificamente as velocidade de envio ou transferência dos usuários para certos tipos de fluxos de dados, como no caso das práticas de gestão de tráfego entre pares (peer-to-peer). Alguns veem o estrangulamento como um meio necessário para evitar o congestionamento e melhorar o desempenho da rede. Outros consideram que estas práticas são controversas, especialmente quando não são divulgadas claramente ou quando os operadores discriminam injustamente determinados fluxos de dados.

4. Serviços de taxa zero (zero-rating): O termo descreve uma prática comercial mediante a qual determinados conteúdos são entregues ao usuário final a um custo consideravelmente reduzido, ou até mesmo de forma gratuita. Neste cenário, o provedor de serviços Internet normalmente subsidia o custo do acesso à Internet em troca de vantagens de mercado tangíveis ou intangíveis. Estas vantagens de mercado podem traduzir-se em aumento da base de assinantes, direitos de acesso preferencial para o fornecimento de serviços de Internet, ou a possibilidade de rentabilizar os dados recolhidos dos assinantes dos serviços. Há um debate sobre se estes serviços discriminam os fluxos de dados que não são fornecidos sob um serviço de taxa zero. Da mesma forma, não está claro se o fato de fornecer apenas um subconjunto do acesso pleno à Internet no âmbito de um serviço de taxa zero a quem de outra forma não teria acesso à Internet é melhor ou pior do que o dano potencial resultante de um acesso limitado à Internet. Este debate é particularmente importante nos países em desenvolvimento, onde foram levantadas preocupações sobre as potenciais desvantagens e consequências involuntárias dos serviços de taxa zero.

5. Concorrência no mercado: A existência de uma concorrência saudável no mercado é um tema frequente nas discussões sobre neutralidade da rede. Nos mercados onde as opções de serviços de Internet a preços acessíveis são limitadas, os usuários estão potencialmente mais vulneráveis a restrições de acesso aos conteúdos disponíveis ou à redução do desempenho da rede. Para os provedores de serviços Internet, a concorrência no mercado é útil, ao oferecer aos consumidores a possibilidade de escolha e estímulo à inovação entre os fornecedores de serviços. Além disso, a promoção da concorrência no fornecimento de acesso à Internet permite que os usuários possam escolher entre diferentes serviços e experiências online.

Princípios de orientação

Com incidência nos resultados das práticas de gestão de redes, a abordagem regulamentar e das políticas deve reger-se pelo princípio geral de abertura, bem como por características que promovam o acesso, a possibilidade de escolha e a transparência. Esses valores fundamentais são representados pelos seguintes princípios orientadores gerais: o acesso a serviços de Internet, aplicações, sites e conteúdos aprimora a experiência do usuário e o potencial da Internet para impulsionar a inovação, a criatividade e o desenvolvimento econômico. As práticas que limitem ou bloqueiem o acesso a conteúdos da Internet constituem uma preocupação primordial.

Que os usuários escolham e controlem as suas atividades online, incluindo os seus fornecedores, serviços e aplicações – reconhecendo as limitações legais e técnicas – é importante para uma interligação aberta. Para alguns usuários, a seleção de fornecedores e serviços online é limitada, tornando-os particularmente vulneráveis a práticas de gestão rede potencialmente discriminatórias.

A transparência das decisões sobre os fluxos de dados é importante para um acesso justo e imparcial aos recursos de Internet. O acesso transparente a informações precisas sobre a largura de banda e as políticas de gestão de rede permite aos utilizadores tomar decisões informadas sobre os seus serviços de Internet.

Em termos mais específicos, estes princípios orientadores gerais traduzem-se no seguinte:

Ofertas de serviços competitivos e transparentes que permitam ao usuário tomar decisões informadas ao escolher um fornecedor e um nível de serviço. Isto inclui a divulgação de informações, tanto públicas como contratuais, acerca das velocidades médias que os operadores de rede realmente oferecem no serviço de Internet aos seus clientes, durante os períodos normais e de pico, bem como as limitações que aplicam quanto ao volume de dados.

Acesso livre a uma variedade de serviços, aplicações e conteúdos oferecidos de forma não discriminatória.

Práticas razoáveis de gestão de rede que não afetem a concorrência nem sejam prejudiciais. A clarificação dos limites das práticas razoáveis de gestão de rede seria benéfica.

Informações compreensíveis e acessíveis às quais está sujeito um assinante, sobre as limitações dos serviços, bem como as restrições relativas à rede e ao tráfego.

Monitorização regulamentar da prestação de serviços de Internet para assegurar que não ocorre uma degradação da qualidade. A avaliação da qualidade deve basear-se em medições e normas entendidas de maneira generalizada, incluindo as medições a grande escala do desempenho da banda larga (LMAP) e métricas de desempenho para IP (IPPM) dos grupos de trabalho do Internet Engineering Task Force (IETF).

Iniciativas educativas para informar os utilizadores sobre o que implicam as práticas de gestão de rede e como escolher ofertas de serviços que satisfaçam as suas necessidades.

É importante notar que nenhum dos princípios acima exclui a possibilidade de usar práticas razoáveis de gestão de rede. Há uma clara necessidade de gerir as redes para manter um bom funcionamento de Internet e fornecer aos utilizadores serviços inovadores e de alta qualidade. Na verdade, as abordagens regulamentares que afetam a sustentabilidade da Internet aberta global devem ter em conta a realidade técnica de como funcionam e são geridas as redes.

Mais importante ainda, um ambiente de acesso à Internet caracterizado pela possibilidade de escolha e transparência, permite aos utilizadores controlar a sua experiência de Internet e capacita-os para beneficiar e participar nela plenamente.


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Recursos adicionais

A Internet Society publicou uma série de documentos e conteúdos adicionais relacionados com este tema. Estes estão disponíveis para acesso gratuito no portal da Internet Society.

“Open Inter-networking - Getting the fundamentals right: access, choice, and transparency”, 21 de fevereiro de 2010, http://www.internetsociety.org/open-inter-networking-getting-fundamental...

“Network neutrality - let those packets flow”, 30 de março de 2015, https://www.internetsociety.org/blog/asia-pacific-bureau/2015/03/network...

“Zero rating: enabling or restricting Internet access?” 24 de setembro de 2014, http://www.internetsociety.org/blog/asia-pacific-bureau/2014/09/zero-rat...