A fragmentação da balcanização da Internet

Sérgio Alves Jr., Pesquisador do Centro de Direito, Internet e Sociedade do Instituto Brasiliense de Direito Público (CEDIS/IDP)

Data da publicação: 

Abril de 2015

I. BALCANIZAÇÃO DA INTERNET PARA TODOS - Muitos leitores que acompanham a conjuntura da governança da Internet (IG) devem ter observado referências recentes na mídia sobre as ameaças de “balcanização da Internet”. O termo tem sido utilizado para descrever uma variedade de alternativas regulatórias sendo consideradas ou adotadas pela União Internacional de Telecomunicações (UIT) (eventos recorrentes liderados por governos), Brasil (propostas de retenção local de dados e lançamento de novos cabos submarinos para Europa e África), Rússia (restrições de acesso a Internet e controle de mídias sociais), Índia (proposta de criação de órgão nas Nações Unidas dedicado à coordenação de temas de IG), China (Grande Muralha Cibernética da China – Great Firewall of China), Irã (Internet Halal), Turquia (bloqueio a mídias sociais), Europa (padrões muito elevados de privacidade e estímulos à formação de uma nuvem pan-europeia). A diversidade do grupo sugere que não podem estar todos fazendo a mesma coisa.

Alguns desses atores pedem o isolamento de conteúdo nacional; alguns clamam por mais privacidade e proteção de dados, e são reações à vigilância em massa conduzida pelos Estados Unidos; alguns cumprem leis nacionais que não são particularmente relacionadas à Internet; alguns clamam por maior cooperação internacional para assegurar que leis nacionais sejam respeitadas (incluindo a proteção de dados) e que nenhum país tenha um papel dominante na governança da Internet. Independentemente das especificidades de suas ações, todos têm sido invariavelmente rotulados como “balcanizadores”.

Inspirado pela curiosidade da etimologia e variações semânticas do termo, o texto oferece alguns conceitos para “balcanização da Internet” e retoma o emprego histórico do vocábulo original (“balcanização”) no sistema jurídico americano. Em seguida, argumenta-se que esse efeito está presente também no (ciber) território americano e impacta os negócios nacionais de empresas de tecnologia que exploram mercados tão inovadores e diversos como o compartilhamento de caronas, compartilhamento de alojamentos, empréstimos peer-to-peer, jogos de azar online e vendas online de carros elétricos nos EUA. Ao menos nesses casos, a “balcanização da Internet” não mantém nenhuma relação com aspectos de segurança cibernética global ou decisões exógenas de atores estrangeiros, associações frequentes nas discussões sobre o tema; trata-se de dificuldades nada excepcionais impostas por normas e políticas econômicas concorrentes entre entes federados que formam os próprios Estados Unidos, ou seja, uma questão essencialmente de comércio e jurisdição.

II. FRAGMENTANDO UM CONCEITO

O termo “balcanização” foi cunhado em uma entrevista com o político alemão Walther Rathenau ao New York Times, em 1918, que analisava o processo geopolítico de fragmentação do Império Otomano e a consequente formação de estados menores não-cooperativos na região dos Bálcãs (Todorova, 2009). A versão moderna dessa metáfora tem sido empregada (sem créditos a seu criador) para descrever processos diversos e cenários iminentes que ameaçariam a promessa de unicidade de uma Internet global, conforme idealizada por pioneiros como Tim Berners-Lee, Vint Cerf e Bob Kahn (Markoff, 2013; Schmidt & Cohen, 2013; Clark, 2014; Larson, 2014; Morozov, 2014).

Embora a referência à história dos Bálcãs seja bastante direta (Kurbalija, 2012), é também bastante parcial, para dizer o mínimo. No contexto corrente das negociações de governança da Internet, seria bastante mais preciso se referir também à história dos Estados Unidos da América como uma federação, bem como à utilização da expressão “balcanização” pela academia e sistema jurídico americanos, do que à da Península Balcânica em si.

Em sua conotação moderna, alguns stakeholders cautelosamente fazem alusão à importância suprema de unicidade nas camadas mais baixas da arquitetura da Internet (Internet Governance Forum, 2014), mas a literatura de tecnologia é muito mais rica do que isso e se refere a “balcanização da Internet” como:

- formas de segregar as pessoas online de acordo com suas preferências: maior conectividade não implicaria necessariamente o surgimento de uma vila global, o que fragmentaria a sociedade e balcanizaria as interações no espaço virtual (Van Alstyne & Brynjolfsson, 1997);

diferentes níveis de interconexão de infraestruturas para a Internet: acordos discriminatórios e hierárquicos entre provedores de serviços de Internet, com o objetivo de mitigar congestionamento, aumentar a qualidade do serviço e resolver problemas de alocação de custos, poderiam levar à balcanização de zonas rurais com pouca atratividade econômica (Frieden, 1998);

- fragmentos resultantes de forças regulatórias e culturais: com o emprego de softwares de geolocalização, capacidades de banda desiguais, regras distintas de privacidade e propriedade intelectual, seria possível privilegiar rotas de tráfego de Internet e promover a censura (Wu, 2004); e

- uma agenda diplomática: sob a ótica da política externa americana e inspiração utópica de Tim Berners-Lee, para quem as leis da Internet deveriam ser as mesmas em todos os lugares, “assim como as leis da física”, o foco estaria em (a) ameaças ao Sistema de Nomes de Domínio (DNS), (b) a gradativa transição IPv4 para IPv6, (c) censura, bloqueio e filtros na Internet, (d) a falência dos modelos tradicionais de acordos de peering e trânsito / neutralidade de redes, (e) o colapso de processos de definição de padrões para a Internet e (f) regimes locais de privacidade (Hill, 2012).

Esses estudos revelam que o vocabulário da Internet parece estar nos pregando peças novamente; o mesmo termo pode ser usado para descrever fatos distintos e versões distintas de um mesmo fato, gerando confusões inadvertidas e também intencionais.

III. BALCANIZAÇÃO COMO BARREIRA AO COMÉRCIO, CONFORME O DIREITO CONSTITUCIONAL DOS EUA

O que os autores anteriores aparentemente não perceberam ou explicitaram é que esse conceito traz implicações diretas nas searas de comércio e jurisdição. Nesse sentido, o Direito Constitucional americano é fundamental para se entender o significado e as origens de “balcanização” como o argumento que tem sido trazido para o vernáculo e a agenda política global da Internet.

Desde a promulgação da constituição americana, cortes e legisladores lutam para fazer o ajuste fino entre os poderes federal e estadual. Esse exercício constitucional constante permitiu a coexistência de modelos regulatórios distintos dentro do mesmo país, com estados optando por abordagens diferentes para uma mesma questão (ou abordagens diferentes para diferentes lados de uma mesma questão).

A dupla soberania decorrente do federalismo americano resolveu muitos e deu origens a tantos outros desafios de integração econômica do país. Para garantir a unidade nacional, os estados enfrentam limitações no controle de suas questões domésticas e contam com o governo federal para regular o comércio interestadual (Abernathy, 2006).

A Cláusula de Comércio da constituição dos EUA determina que o Congresso tem o poder “para regular o Comércio com Nações estrangeiras, e entre os diversos Estados, e com as Tribos Indígenas”. Ela também implica que os estados não podem aprovar legislações que oprimam ou discriminem excessivamente o comércio interestadual no país (conhecida como a Cláusula de Comércio “Dormente”). Esse poder federal de regular o comércio interestadual é o mais relevante para este texto.

A Suprema Corte dos EUA construiu um longo legado de interpretação dessa cláusula, oscilando entre tendências centralizadoras e descentralizadoras do federalismo, de acordo com o debate político americano e o diálogo constitucional histórico (Scheiber, 1996). Em 1941, a Suprema Corte já empregava a palavra “balcanização” para explicar parcialmente o porquê de os formuladores da Constituição americana terem unificado o país no século XVIII e delegado a regulação do comércio interestadual a uma autoridade central do poder federal (o Congresso).

A) Duckworth v. Arkansas, 314 U.S. 390 (U.S. 1941)
Em Duckworth, a Suprema Corte entendeu que uma lei do Arkansas que requeria uma permissão para o transporte de bebida alcóolica através do estado não violava a Cláusula de Comércio. O requerimento exigia a identificação das pessoas envolvidas no transporte, suas rotas, pontos de destinação e o pagamento de uma taxa nominal. O caso registra a primeira referência a “balcanização” pela Suprema Corte: “O resultado prático (de barreiras locais que afetam a condução dos negócios interestaduais) é que, na falta de ação por nós, elas vão continuar sufocando e retardando e Balcanizando o comércio, as trocas e a indústria americanos.” (Grifou-se)

B) HP Capa & Sons v. Du Mond, US 525 336 (1949) Em H. P. Hood & Sons, o requerente, um distribuidor de leite em Massachusetts, operava três instalações de armazenagem licenciadas sob a legislação de Nova Iorque e solicitou uma licença para operar uma quarta instalação. O Comissário de Nova Iorque, que argumentou que as instalações iriam reduzir a oferta de leite para mercados locais e prejudicaria a concorrência no mercado, não concedeu a nova licença. A Corte entendeu que a lei nova-iorquina violara a Cláusula de Comércio. Este caso evocou a decisão de Duckworth e alocou o raciocínio jurídico sobre balcanização ao campo semântico do libertarianismo:

“... medo de que a tolerância judicial por quaisquer regulamentos estaduais sobre fases locais de comércio trarão o que eles chamam de ‘balcanização’ do comércio nos Estados Unidos — barreiras comerciais entre os estados tão altas que impedem fluxos de comércio interestadual. Outras pessoas acreditam nessa filosofia por causa de uma hostilidade instintiva a qualquer regulamentação governamental à ‘livre empresa’; este grupo prefere uma economia de ‘laissez faire’. Para eles, o espectro da ‘burocracia’ é mais assustador do que a ‘Balcanização’.” (Grifou-se)

C) Hughes v. Oklahoma, 441 US 322 (1979)
Em Hughes, o recorrente do Texas era licenciado para operar um negócio em que comercializava peixes do tipo vairão (pequenos peixes utilizados como isca). Após transportar uma leva desses peixes adquirida de um negociante em Oklahoma, ele foi multado por violar lei estadual que proibia transportar, para fora do território de Oklahoma, vairões oriundos de águas deste estado com o objetivo de venda. A Suprema Corte considerou que a lei de Oklahoma violara a Cláusula de Comércio, e resumiu um objetivo da Constituição americana e uma preocupação de seus formuladores:

“... a fim de obter sucesso, a nova União ter ia que evitar as tendências de balcanização econômica que atormentaram as relações entre as Colônias e mais tarde entre os Estados sob os Artigos da Confederação.” (Grifou-se)

A Suprema Corte dos Estados Unidos manifestou a sua preocupação com “balcanização” em cerca de trinta casos desde 1941. Na maioria das vezes, balcanização era essencialmente uma questão de política econômica resultante da dupla soberania derivada do federalismo americano (Alves Jr, 2014). Em outros termos, trata-se de uma questão de comércio e jurisdição, desafio clássico que antecede até mesmo os tratados de Paz de Vestefália de 1648, geralmente citados como péssimas e desatualizadas referências para a regulação de assuntos de Internet (La Chapele, 2012; Cerf, Ryan & Senges, 2013); uma abordagem de que o governo e os gigantes de tecnologia americanos normalmente tentam se esquivar em suas agendas internacionais.

IV. BALCANIZAÇÃO DA (CIBER) TERRA PÁTRIA

Ao reconhecer que conflitos entre regulamentações locais, estaduais e federais são absolutamente normais na maioria dos Estados federados, a “balcanização”, conforme historicamente referenciada por tribunais norte-americanos, parece não ser algo assim tão estranho. De fato, é possível argumentar que indústrias inovadoras estariam experimentando a prestação de serviços de uma Internet balcanizada nos Estados Unidos que se assemelharia ao debate constitucional sobre “balcanização econômica”, com estados optando por abordagens distintas para os desafios impostos por novas tecnologias e frustrando a ideia de um ecossistema de Internet plano naquele país individualmente considerado.

A ) Empréstimos peer-to-peer (P2P)
Prosper e LendingClub são as duas principais plataformas de empréstimo entre particulares com fins lucrativos na Internet, operando desde 2005 e 2007, respectivamente.

Sediadas em São Francisco, na Califórnia, ambas permitem que credores escolham e financiem empréstimos a mutuários cujos perfis são publicados em seus sites. Após períodos de crescimento constante, Prosper e LendingClub tiveram seus serviços suspensos por alguns meses em meados de 2008 para se registrarem na Comissão de Valores Mobiliários e continuam a prosperar desde então. Ambas as empresas afirmam serem capazes de oferecer taxas de retorno mais altas aos credores e juros mais baixos aos mutuários do que fontes tradicionais de crédito disponíveis na praça (United States Government Accountability Office, 2011).

Um arranjo complexo de leis estaduais sobre valores mobiliários, finanças e direito do consumidor impede que essas empresas operem em todo o país. A Prosper está atualmente aberta para investidores americanos de 30 estados e tomadores de empréstimo de 47 estados; enquanto a LendingClub, a 26 e 45, respectivamente. Este cenário é causado, mormente, pela rigidez variável de leis estaduais, que oferecem abordagens diferentes para os riscos que credores e devedores enfrentam no modelo de P2P online.

Ao passo que a Prosper ultrapassa a barreira de um bilhão de dólares em empréstimos (Cunningham, 2014a), o banco Wells Fargo luta para gerenciar suas próprias políticas internas que proibiram funcionários de investirem nessas plataformas online (Alloway, 2014). Para alguns analistas, é um claro indicativo de que os bancos afinal se importam com o negócio de empréstimo P2P (Cunningham, 2014b).

B) Jogos de azar online
A Lei de Transferências Interestaduais de 1961 sempre foi interpretada como uma proibição contra apostas online (Federal Wire Act, 2014). A lei determinava que comunicações por fios (telefone, cabos, fibra ótica, Internet) não poderiam ser utilizadas para a transmissão de apostas ou de informações de apoio a apostas no comércio interestadual. Os infratores seriam multados ou presos.

Em 2011, o Departamento de Justiça dos EUA exarou opinião de que as proibições da Lei de Transferências Interestaduais ainda se aplicariam a eventos esportivos, mas silenciou sobre jogos de azar online (Wyatt, 2011). Desde então, os estados de Delaware, Nevada e Nova Jersey aprovaram leis que autorizavam apostas online (Ruddock, 2013a). Os sites autorizados oferecem serviços restritos a jogadores fisicamente presentes nesses estados apenas, geralmente se fazendo valer de softwares de geolocalização para verificar a autenticidade das informações.

Embora haja sinalizações de que outros estados seguirão o exemplo (Gruetze, 2014), esse movimento expansionista não acontece sem oposição. O magnata de cassinos Sheldon G. Adelson está patrocinando uma lei e uma nova Coalizão para Abolir os Jogos na Internet (Confessore & Lipton, 2014) para se contrapor à Coalizão pelo Consumidor & Proteção Online (Coalition for Consumer and Online Protection, 2014), organizada pelos representantes da indústria de cassino favoráveis à ampla legalização.

Ao passo que essas disputas impedem empresas como a californiana Zynga de oferecerem cassinos com moeda real similares aos que disponibiliza na Internet em outros países (Lunden, 2014), os entusiastas de outros estados ainda podem viajar para esses territórios isolados e se conectarem às redes wi-fi de algum hotel para algumas horas dedicadas às apostas online.

C) Venda online de carros elétricos
A Tesla Motors é uma fabricante de carros elétricos e componentes para veículos elétricos fundada em 2003, em Palo Alto, na Califórnia. Sob a liderança de Elon Musk (o mesmo fundador de PayPal e SpaceX), a empresa inova tanto na indústria de carros elétricos quando no modelo geral de negócios de automóveis. Em vez de depender de representantes concessionários tradicionais, a Tesla opera suas lojas e galerias próprias para vender veículos de luxo diretamente ao consumidor, que desfruta de um produto com características únicas de desejo, alto desempenho e a melhor tecnologia de baterias do mercado (Gordon-Bloomfield, 2013).

Além da esperada concorrência com a indústria automobilística, a Tesla Motors enfrenta fortes entraves regulatórios em seu modelo baseado em showrooms autônomos e vendas online, pois vários estados, como Arizona, Texas, Virgínia, Ohio, Nova Jersey, têm leis que restringem ou proíbem a venda direta de carros para consumidores de varejo sem o intermédio de revendedores concessionários (Jones, 2014). Em alguns estados, a empresa pode apenas exibir o carro em seus salões, e o cliente em potencial é obrigado a conferir o preço na Internet (os funcionários do showroom são proibidos de mencionar o preço) e eventualmente comprá-lo pela web, uma transação que juridicamente ocorre na Califórnia.

A Carolina do Norte quase elevou essas restrições a um patamar totalmente novo quando, em 2013, senadores do estado apresentaram um projeto de lei (que foi posteriormente abandonado) que proibia a venda online direta de carros naquele estado (Oremus, 2013), o que, segundo a Tesla Motors, acabaria por obstar a comunicação via Internet com a empresa.

Nessas linhas, pode-se levantar argumentos semelhantes (de balcanização da Internet nos Estados Unidos, com viés econômico) sobre compartilhamento de caronas e de alojamento, onde empresas como Uber, Lyft, Sidecar, e Airbnb enfrentam os regulamentos locais e lobby agressivo da indústria de táxis e de hotéis com o objetivo de limitar ou proibir essas empresas de operarem em várias cidades americanas. Os opositores desses novos negócios normalmente levantam argumentos sobre regras tributárias, de segurança e registros administrativos para combater as investidas das empresas de Internet.

Todos esses casos sinalizam o tipo de medida regulatória protecionista contra a Internet que é considerada por regiões e empresas altamente dependentes de modelos de negócios tradicionais nos Estados Unidos. Até certo ponto, os desafios de todos esses negócios mimetizam a fórmula da neutralidade da rede: uma empresa incumbente de um grande setor altamente regulado desafiada por um entrante inovador, com algum tipo de autoridade reguladora no meio do caminho.

V. UNIFICAÇÃO E RACIOCÍNIO INDUTIVO

“Balcanização da Internet” é uma das expressões mais capciosas das disputas políticas globais em curso sobre a Internet. Ela significa, entre outras coisas, (i) formas de segregar as pessoas online de acordo com suas preferências; (ii) diferentes níveis de interconexão de infraestruturas para a Internet; (iii) fragmentos resultantes de forças regulatórias e culturais; (iv) uma agenda diplomática; e (v) uma questão de comércio e jurisdição. Ela pode decorrer da ação de agentes estrangeiros e também de forças atuantes em um mesmo território soberano.

No presente contexto midiático e diplomático, a balcanização da Internet não é exclusivamente um efeito análogo à “balcanização geopolítica”, como ocorreu nos Bálcãs, mas também à “balcanização econômica”, conforme considerado na interpretação da Cláusula de Comércio da constituição dos EUA.

À medida que os principais representantes da indústria de Internet começam a perceber a inadequação do termo para descrever um problema global, eles tentam avançar uma agenda preocupada com “fragmentação da Internet”, com importantes iniciativas dedicadas a delimitar o que isso realmente significa e como lidar com a questão.

É certamente uma abordagem melhor, uma estratégia que só eventualmente acabará por revelar o que mais proeminentemente interessa a uma empresa de Internet: as maravilhas e magnitudes de uma economia em rede (Cassidy, 2014).

Sob a ótica proposta nesse artigo, se há um problema de balcanização da Internet, a chegada do Fórum Econômico Mundial em debates de governança da Internet e os contornos que a NetMundial Initiative começa a tomar deveriam ser recebidos com mais naturalidade e menos espanto. Aparentemente, o liberalismo sempre subjazeu ao discurso.

Construir formas de combater a censura e promover a confiança na natureza distribuída da Internet devem ser as premissas para os desenvolvimentos recentes sobre governança da Internet. A fim de contribuir para esse esf orço, o termo polissêmico “balcanização da Internet” não deve ser empregado como um mero argumento de retórica. Algumas de suas origens podem implicar que a solução para “balcanização” seria convocar uma Convenção Constitucional global formal, aos moldes do que os formuladores da constituição americana outrora fizeram. Nesse cenário, Estados soberanos enfrentariam limitações no controle de suas questões domésticas e contariam com uma ordem central suprema para regular transações transfronteiriças de Internet e outros desafios usuais relacionados à Internet e jurisdição. Paradoxalmente, isso não seria do interesse dos atores que mais fomentam o discurso sobre “balcanização”, pois estão convictos de que o processo multissetorial (“multistakeholder”) é capaz de assegurar um quadro suficientemente inovador e confiável para a governança da Internet.

Se esses trava-línguas não forem suficientes, há um motivo nobre para abandonar essa expressão nas negociações de governança da Internet: “balcanização” é um termo pejorativo, independentemente de todas as transformações e derivações por que passou ao longo do século. A historiadora búlgara Maria Todorova, da Universidade de Illinois, é uma especialista na história dos Bálcãs e denuncia o porquê (Todorova, 2009):

“Balcanização” não só passou a denotar o parcelamento de unidades políticas amplas e viáveis, mas também se tornou sinônimo de uma reversão para o tribal, o retrógrado, o primitivo, o bárbaro. Em sua derradeira hipóstase, particularmente na Academia norte-americana, o termo tem sido completamente descontextualizado e paradigmaticamente relacionado com uma variedade de problemas. Que os Bálcãs têm sido descritos como o “outro” da Europa não precisa de prova especial. O que tem sido enfatizado sobre os Bálcãs é que seus habitantes não se importam em estar em conformidade com os padrões de comportamento imaginados como normativo pelo e para o mundo civilizado. Como acontece com qualquer generalização, esta se baseia em reducionismo, mas o reducionismo e os estereótipos sobre os Bálcãs têm sido de tal for ma e intensidade que o discurso merece e requer uma análise especial.
(Grifou-se)

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Versões parciais deste texto foram publicadas nos sites da DiploFoundation e do IDGNow! em 2014. A pesquisa foi também apresentada à 20th International Telecommunication Society – Biennial Conference 2014.

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