O Borg em todos nós: a resistência é inútil?

O Borg em todos nós: a resistência é inútil?

William Brocas, Sam Lanfranco, Klaus Stoll*

Data da publicação: abril 2020

Borg: Uma forma de vida cibernética, parte orgânica e parte artificial, com um objetivo singular: o consumo de tecnologia, e não a busca de riqueza ou expansão política, como é o caso da espécie humana.

Um dos principais papéis desempenhados pela ficção científica é retratar questões e assuntos fundamentais que a humanidade enfrenta muito antes de realmente tornarem-se relevantes para nossas vidas diárias. Nem sempre podemos ter certeza sobre onde nossa realidade termina e a ficção começa. As histórias de Jornada nas Estrelas, incluindo os Borg, são um bom exemplo. Na história da série televisiva, os Borg são parte orgânicos, artificiais e criados há tempos imemoriais, mas parecem pressagiar os desafios em nossa realidade pessoal contemporânea e os desafios no ciberespaço da Internet.

Ao nascer, tornamo-nos cidadãos de um país. Nascemos com certos direitos que definem nossa dignidade como seres humanos, direitos que variam de acordo com o contexto e evoluem com o tempo. No plano das crenças fundamentais, eles são expressos em documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Quando abrimos um navegador ou interagimos com o ecossistema da Internet de qualquer forma, adquirimos uma residência como cidadãos digitais globais. Com direitos vêm obrigações. Nossa integridade pessoal depende de quão bem exercitamos ambos.

Tornou-se cada vez mais difícil exercer esses direitos e deveres para preservar nossa integridade no ciberespaço, porque temos controle limitado sobre nossas personas1 digitais. Com as tecnologias de vigilância, a Internet das Coisas (IoT) e os algoritmos de inteligência artificial (IA), nossas personas digitais proliferam, pois estas não são criadas por nós mesmos, mas por outras pessoas. No ciberespaço da Internet, mais do que apenas nossas ações criam nossa persona digital. Construídas com uma combinação de dados pessoais e ambientais que não controlamos, as personas são exploradas por outras pessoas para vários fins sociais, comerciais e políticos. Os dados de várias fontes e a intenção do algoritmo de IA podem criar várias versões com atributos diferentes de nossa própria persona digital única. Em uma reviravolta na ideia dos Borg, nossa persona digital/Borg não nasce nem é inerentemente amigável nem ameaçadora, é apenas um "eu" virtual.

A dignidade e a integridade de cada persona dependem tanto de quem as constrói, quanto de como exercemos nossos direitos e obrigações como cidadãos digitais. Isso afeta nossa integridade e como somos vistos, separados de nossa intenção e nossa persona literal. O uso por outras pessoas pode afetar nossos direitos humanos e nos prejudicar. As personas digitais estão mais sujeitas a abuso do que as literais.

Considere os sintomas do nosso “domínio Borg”: a tela e o teclado, o microfone e o alto-falante se tornam parte de nós. Estamos incompletos sem isso. Dificilmente questionamos nosso comportamento. Perguntas óbvias restringiriam nosso uso e/ou pressionariam por mudanças nas políticas regulatórias. Os regulamentos só podem proteger nossos direitos digitais em uma extensão limitada. Muitas vezes, eles nem existem, pois as empresas de vigilância digital fazem de tudo para impedir que as regulamentações controlem o acesso aos dados que constituem a base de seus lucros. O acesso a aplicativos fornecidos por empresas e agências de vigilância digital, em troca de nossa persona construída usada para fins comerciais e políticos, é inaceitável como o "novo normal". Essa falta de controle sobre nossa persona digital, dignidade e integridade representa uma troca inaceitável entre nosso acesso de baixo custo à cornucópia de serviços digitais e a exploração de


(*) Klaus Stoll leciona, administra e faz consultorias no campo dos direitos humanos e a integridade do ciberespaço. Dr. Sam Lanfranco é economista, pesquisador e assessor em projetos, políticas e desenvolvimento sobre o ecossistema da Internet. Dr. William Brocas trabalha no desenvolvimento de sistemas de jogos online e modera uma comunidade de jogadores online.

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1. Apud Carl G. Jung, Two Essays on Analytical Psychology. London: 1953, p. 190.