Internet e os recursos críticos para a democracia
Alicia Paz, advogada hondurenha que luta pela defesa da restituição do Estado de Direito em seu país
Data da publicação: agosto 2010
Ninguém imaginava que a chegada da Internet transformaria tanto a vida social dos seres humanos.
A tecnologia não apenas revolucionou o modo de ser de novas gerações, mas também tem perturbado a vida política de grupos que historicamente concentram poder – especialmente aquele conhecido no jargão como o quarto poder: os meios de comunicação. Estes poderosos grupos há muitas décadas financiam sucessivos governos, decidindo a seu critério os destinos de países, sem que nada nem ninguém levante a voz para resgatar e garantir a liberdade de expressão como base fundamental da comunicação.
Neste século, a Internet provou ser a esperança e a oportunidade para o desenvolvimento das sociedades, mesmo diante do desafio crítico de superar a exclusão digital. Este desafio tem sido enfrentado pelo povo Hondurenho por conta de seu anseio por uma governabilidade marcada por valores democráticos, na qual prevaleçam a transparência e as oportunidades de participação democrática equitativa. Por isso é imperativo o grito de um povo, que quebrou o silêncio imposto pelos poderosos, informando ao mundo a verdade sobre um golpe de Estado disfarçado de sucessão de poder - apenas na mente maquiavélica dos que permanecem ignorantes seria possível usurpar o poder silenciosamente nessa era digital.
A resposta do povo hondurenho foi rápida, ante a repressão do poder golpista entrincheirado no “quarto poder” – que, controlando os veículos de rádio, imprensa e televisão, esperava silenciar a verdade sobre o golpe de Estado, desinformando o mundo com a retórica da sucessão de poder. Esta mentira caiu quando cidadãos armados com um PC adaptado com dois alto-falantes, levavam a bairros e distritos toda a verdade dos fatos, chegando às áreas mais remotas de Honduras. Blogs, sítios e portais da Web descreveram as brutalidades da violação dos direitos humanos, incluindo assassinatos e sequestros. Com o auxílio de celulares e mensagens de texto enviadas através da Web, o povo hondurenho se reuniu para expressar seu repúdio nas ruas contra os abusos de poder. Rádios online informaram o mundo sobre a verdade do golpe e denunciaram a sabotagem do espectro radioelétrico dos meios de comunicação que tentavam fazer oposição aos golpistas.
Discretamente, as pessoas, usando a Internet, defenestravam as estratégias mais vis dos poderosos. É pertinente ressaltar que a mudança só foi possível devido à Internet ser hoje um fato universal, e os resultados destas iniciativas foram fruto de maciços protestos que repudiaram a usurpação do direito, da integridade, da estabilidade e da transparência da gestão da informação. Isso fulminou as artimanhas de grupos corruptos, que não foram suficientes para sustentar o cerco midiático criado para garantir a desinformação e assegurar o silêncio sobre a violação dos direitos humanos, da liberdade de expressão, do direito de locomoção e liberdade de associação, garantias constitucionais que, ainda que suspensas, foram defendidas por pessoas que se arriscaram em função do sonho de liberdade.
Os recursos críticos da Internet não foram obstáculo para desencadear uma nova forma de comunicação, dando vazão à fúria de um povo oprimido, ridicularizado e abusado pelos ditos governos democráticos, cuja política é negociada em bares opulentos, onde engendram suas estratégias.
Graças às tecnologias de informação e comunicação, as pessoas ganharam uma batalha, o mundo ouviu, viu e foi envolvido em nosso grito de liberdade. A comunidade internacional nos apoiou e liderou processos contra a repressão e a vassalagem dos políticos. A igualdade de armas não significou pessoas pegando em fuzis, sequestrando, assassinando ou aplicando o toque de recolher obrigatório - pelo contrário, foi suficiente apenas o uso do computador, o acesso à Internet e um telefone celular à mão para gritar ao mundo o desejo de liberdade. A Internet fez a diferença, a bastou a sábia ideologia das TIC para promover um futuro diferente e enfrentar a repressão do poder concentrado. Não há melhor sabedoria que a nascida da dor da alma de cada hondurenho que ama seu povo. Este é o princípio pelo qual lutamos e pelo qual arriscamos relatar a verdade a um povo desinformado. Com a Internet quebrou-se o cerco midiático do quarto poder do Estado, e mostrou-se ao mundo a violação dos direitos humanos, da liberdade de expressão, do direito de associação e locomoção.
A experiência conduzida por um povo oprimido que levou à perda de controle dos grupos de poder, põe em evidência os governos, que agora procuram ansiosamente regular a Internet – tentativas fadadas ao fracasso em função da estrutura distribuída e da interoperabilidade universal que não tem barreiras nem fronteiras. Por isso unimos nossos esforços à comunidade internacional na busca de políticas que tornem a Governança da Internet um espaço global para o diálogo, que promovam o acesso livre de restrições e a autorregulação empreendida por parte dos usuários; e que promovam a neutralidade da rede, somada ao acesso irrestrito às informações publicadas na Internet, no marco de um diálogo global.