Carta aberta a Mark Zuckerberg sobre a Internet.org, neutralidade da rede, privacidade e segurança

Mark Zuckerberg

Autoria coletiva*

Data da publicação: agosto 2015

Caro Mark Zuckerberg,

Nós, abaixo assinados, compartilhamos uma preocupação comum sobre o lançamento e expansão da plataforma Internet.org da Facebook e suas implicações para a Internet aberta ao redor do mundo. Nessa Internet aberta, todos os conteúdos, aplicações e serviços são tratados igualmente, sem discriminação alguma. Estamos especialmente aborrecidos pelo fato que o acesso das pessoas pobres é usado como justificativa para tais violações da neutralidade da rede.

Na sua concepção atual, a Internet.org viola os princípios da neutralidade da rede, ameaçando a liberdade de expressão, igualdade de oportunidades, segurança, privacidade e inovação. Além disso, é nossa convicção que a Facebook está definindo de forma inapropriada a neutralidade da rede em declarações públicas e construindo um jardim murado onde as pessoas mais pobres só podem aceder a um conjunto limitado de sites Web e serviços inseguros. Além disso, estamos profundamente preocupados com o fato que a Internet.org tem sido comercializada de forma enganosa como provimento de acesso à Internet como um todo, quando na verdade ela só permite acesso a um número limitado de serviços conectados à Internet que são aprovados pela Facebook e provedores locais de acesso.

Apoiamos o objetivo de levar o acesso a preços acessíveis aos dois terços do mundo que atualmente carecem de acesso à Internet. Muitos de nós têm trabalhado durante anos em iniciativas para reduzir a brecha digital, como a instalação de facilidades de acesso à Internet em bibliotecas públicas e telecentros, apoiando iniciativas de provimento de banda larga comunitária, empreendimentos locais de telecomunicações, investimento público em infraestrutura de banda larga, projetos de sites Web e serviços mais acessíveis a pessoas com dispositivos de acesso móvel, e mais. No entanto, temos sempre defendido o provimento de acesso não discriminatório à Internet plenamente aberta, sem privilegiar determinados aplicativos ou serviços em detrimento de outros e sem comprometer a privacidade e a segurança dos usuários.

Estas são diferenças fundamentais em relação à Internet.org.

Em um vídeo de 4 de maio, a Facebook anunciou novas regras relativas à Internet.org e argumentou que a neutralidade da rede e a Internet.org não estão em conflito. No entanto, na página Web relacionada, as novas regras declaram explicitamente que “sites Web devem ser apropriadamente integrados com a Internet. org para permitir o zero-rating.”

Abaixo articulamos nossas preocupações sobre a atual estrutura e implementação da Internet.org:

Neutralidade da Rede: a neutralidade da rede apoia a liberdade de expressão e a igualdade de oportunidades ao permitir que as pessoas procurem, recebam e enviem informações e interajam como iguais. Ela requer que a Internet seja mantida como uma plataforma aberta sobre a qual os provedores de redes tratem todos os conteúdos, aplicações e serviços de forma isonômica, sem discriminação. Um aspecto importante da neutralidade da rede afirma que todos devem ser capazes de inovar sem permissão de ninguém ou qualquer entidade. Instamos a Facebook a afirmar seu apoio a uma verdadeira definição de neutralidade da rede na qual todos os aplicativos e serviços são tratados igualmente e sem discriminação – especialmente no mundo em desenvolvimento, onde os próximos três bilhões de usuários da Internet estarão online – e para abordar as falhas significativas de privacidade e segurança inerentes à versão atual da Internet.org.

Zero-rating: É a prática adotada por provedores de serviço de oferecer um conjunto específico ou aplicações de uso livre sem afetar o plano contratado, ou que não descontam da franquia de dados. Esta prática é inerentemente discriminatória – é por isso que foi proibida ou restringida em países como o Canadá, Holanda, Eslovênia e Chile.

Zero-rating é atualmente o modelo básico da Internet.org: a Facebook faz parcerias com provedores de serviços Internet em todo o mundo para oferecer acesso a determinadas aplicações da Internet sem nenhum custo adicional para os usuários. Estes acordos põem em perigo a liberdade de expressão e a igualdade de oportunidades, permitindo que os fornecedores de serviços Internet decidam quais serviços serão privilegiados em detrimento de outros, interferindo assim com o livre fluxo de informação e os direitos das pessoas em relação às redes.

Nomenclatura: A Internet.org enganosamente chama essas aplicações de zero-rating de “a Internet”, quando na verdade os aplicativos só oferecem acesso a uma pequena parte da mesma. O projeto atua como um “jardim murado”, em que alguns serviços são favorecidos em detrimento de outros – novamente, uma violação da neutralidade da rede.

Liberdade de expressão: O projecto revela outros riscos para a liberdade de expressão. A capacidade de censura de gateways de Internet está bem estabelecida – alguns governos exigem que provedores de serviços Internet bloqueiem o acesso a sites ou serviços. A Facebook parece colocar-se em uma posição semelhante, onde os governos poderiam pressionar a empresa a bloquear determinados conteúdos, ou ainda, quando os usuários precisarem identificar-se para acesso, bloquear usuários individuais. A identificação de tais usuários desta maneira pode até mesmo levar a sua detenção. A empresa não deve assumir esta responsabilidade adicional e de risco através da criação de um único posto de controle centralizado para o livre fluxo de informações.

Privacidade: Estamos também profundamente preocupados com as implicações da Internet.org para a privacidade. A política de privacidade da Facebook não fornece proteções adequadas para novos usuários da Internet, alguns dos quais podem não entender como seus dados serão utilizados, ou podem não ser capazes de dar consentimento adequado para certas práticas. Dada a falta de declarações em contrário, é provável que a Internet.org colete dados dos seus usuários quando eles utilizam os aplicativos e serviços que fazem parte do programa, e há uma falta de transparência sobre como os dados são utilizados pela Inter net.org e seus parceiros de telecomunicações. A Internet.org também concentra o uso da Internet em um conjunto restrito de aplicativos e serviços, tornando mais fácil para os governos e agentes maliciosos a bisbilhotagem do tráfego dos usuários.

Segurança: A implementação atual da Internet.org ameaça a segurança dos usuários e da Internet como um todo. A atualização de 4 de maio para o programa proíbe o uso de TLS (Transport Layer Security), SSL (Secure Socket Layer), ou cr iptografia HTTPS pelos serviços participantes. Isto em si coloca os usuár ios em risco, porque o seu tráfego Web será vulnerável a ataques mal-intencionados e à bisbilhotagem do governo.

Internet em dois níveis: O “boom” econômico que a Internet criou em países desenvolvidos precisa ser compartilhado igualmente com as próximas três bilhões de pessoas, e não estrangulado pela nova Internet de dois níveis da Facebook. O modelo da Internet.org – dando aos usuários uma degustação de conectividade antes de incentivá-los a comprar planos de dados caros – não reconhece a realidade econômica para milhões de pessoas que não podem pagar por esses planos. Estes novos usuários poderiam ficar presos em um caminho separado e desigual para conectividade com a Internet, que servirá para alargar em vez de estreitar a brecha digital.

A Facebook, nas suas intenções declaradas de conectar bilhões à Internet, deveria apoiar e defender fortemente as salvaguardas dos princípios da neutralidade da rede, privacidade, segurança, e outros direitos dos usuários nas negociações com os governos e os reguladores nacionais, ao mesmo tempo que deveria aplicar estes padrões às suas iniciativas de negócios.

* Assinam

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