Os Pontos de Troca de Tráfego, o PTTMetro e a Internet brasileira

Demi Getschko, Diretor presidente do Núcleo de Informação e Comunicação do Comitê Gestor da Internet no Brasil (NIC.br), Conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)

Antonio M. Moreiras, Coordenador de projetos no Núcleo de Informação e Comunicação do Comitê Gestor da Internet no Brasil (NIC.br)

Data da publicação: Julho | 2008

A Internet é uma construção coletiva que integra milhares de redes pelo mundo afora. Os brasileiros participam desse ambiente desde 1989 e sua participação tem se mostrado cada vez mais dinâmica. Pesquisas mostram, por exemplo, que somos uma das populações que mais tempo passam conectadas.

Uma das melhores novidades que a Internet trouxe para a sociedade é a nova forma de realizar a conectividade, tanto a meios de informação, quanto entre indivíduos diretamente. Essa nova forma, além de ágil e acessível, é notavelmente mais barata que as tradicionais. Ora, a Internet, como estrutura de rede, apóia-se nos mesmos canais de comunicação que são utilizados pela telefonia convencional e pelos canais internacionais de televisão e rádio: os cabos ópticos submarinos e de longa distância, os canais de satélite, a transmissão sem fio. Como se dá, então, o processo de formação do “modelo de negócio” da era da Internet nessas aplicações? Na verdade, a Internet trouxe uma nova forma de usar os canais de telecomunicação, com muito mais flexibilidade e eficiência que, somada à expansão de banda ocorrida nas duas últimas décadas, possibilitou essa “mágica”. E essa nova forma inclui intervenção – em diversos níveis lógicos e físicos – de atores que não são, necessariamente, oriundos do meio de telecomunicações.

Uma das melhores novidades que a Internet trouxe para a sociedade é a nova forma de realizar a conectividade, tanto a meios de informação, quanto entre indivíduos diretamente. Essa nova forma, além de ágil e acessível, é notavelmente mais barata que as tradicionais. Ora, a Internet, como estrutura de rede, apóia-se nos mesmos canais de comunicação que são utilizados pela telefonia convencional e pelos canais internacionais de televisão e rádio: os cabos ópticos submarinos e de longa distância, os canais de satélite, a transmissão sem fio. Como se dá, então, o processo de formação do “modelo de negócio” da era da Internet nessas aplicações? Na verdade, a Internet trouxe uma nova forma de usar os canais de telecomunicação, com muito mais flexibilidade e eficiência que, somada à expansão de banda ocorrida nas duas últimas décadas, possibilitou essa “mágica”. E essa nova forma inclui intervenção – em diversos níveis lógicos e físicos – de atores que não são, necessariamente, oriundos do meio de telecomunicações.

A Internet é constituída, em sua parte física, de um enorme conjunto de redes de computadores interligadas, formando uma única grande rede, de alcance mundial. Cada uma dessas redes nada mais é do que um conjunto de computadores e outros equipamentos conectados e capazes de comunicar-se usando uma linguagem comum, denominada protocolo. O protocolo da Internet é o IP (internet protocol) que foi projetado justamente para fazer com que redes diferentes se comuniquem (internet= entre redes). Assim, as redes de computadores das residências, das empresas, dos provedores, dos datacenters e webfarms, das universidades e de tantas outras instituições, espalhadas pelo mundo e interligadas, formam a Internet. Essa definição é bem aceita e não costuma causar estranheza, contudo, nem sempre é bem compreendida. É comum imaginar a Internet como uma “nuvem” à qual se está, de alguma forma, conectado; e a forma de conexão mais comum é uma relação comercial de compra de trânsito com um provedor, como representado na figura 1. Freqüentemente, costuma-se pensar nessa forma de conexão à Internet como a única possível. Não é hábito refletir sobre a natureza da “nuvem” nem pensar na possibilidade da conexão direta entre redes diferentes como uma realidade prática.

Contudo, uma vez que se esteja ligado à Internet, passa-se a fazer parte dessa “nuvem” imaginária, como ilustra a figura 2.

Essa “nuvem” é, de fato, uma abstração que representa todas as redes interligadas, incluindo os usuários domésticos, empresas de todos os tamanhos, redes acadêmicas e governamentais, etc. Ligações diretas entre essas redes, sem a participação obrigatória de provedores, são possíveis, reais, e parte integrante da Internet, e não apenas uma abstração teórica na sua definição.

Mesmo técnicos experientes em redes, por vezes, fazem confusão quando se trata desse assunto. Não se está afirmando aqui que os provedores sejam dispensáveis. Para a maioria das situações eles devem ser o principal meio de conexão à Internet. Contudo, pode-se identificar outros participantes da Internet com quem a comunicação através da rede seja relevante e estabelecer um enlace físico direto, trocando através dele o tráfego que antes passava pelo provedor. Isso se chama troca de tráfego, e continua sendo parte da Internet. Essa substituição de uma relação de compra de trânsito pela troca de tráfego está ilustrada na figura 3.

Pode-se identificar, então, dois tipos básicos de relação entre participantes da Internet: a compra de trânsito, bem conhecida, onde um provedor fornece acesso a parte ou à totalidade das demais redes interligadas, em troca de dinheiro; e a troca de tráfego (em inglês: peering), onde redes conectam-se diretamente, fornecendo acesso umas às outras mutuamente. Uma relação de troca de tráfego tem caráter colaborativo, ou seja, consiste em um serviço recíproco entre as redes envolvidas, e normalmente não envolve pagamentos de uma parte à outra. Contudo, se a relação de tamanho ou tipos de usuários entre as redes for desbalanceada, pode haver também uma relação comercial, para compensar as diferenças. A troca de tráfego traz economia, porque deixa-se de pagar ao provedor pelo tráfego que é trocado diretamente com as outras redes. Traz também melhoria de qualidade, porque conexões diretas são mais rápidas e confiáveis.

No entanto, há despesas envolvidas. Enlaces devem ser estabelecidos, o que costuma custar muito caro, especialmente no Brasil. Equipamentos, como roteadores, podem ter de ser trocados. E deve-se dispor de mão de obra especializada, capaz de lidar com as configurações necessárias. Além disso, como muitas vezes a troca de tráfego implica numa relação não comercial, nem sempre há acordos de nível de serviço estabelecidos; em caso de problemas, conta-se com a boa vontade do parceiro para resolvê-los, sem garantias contratuais.

Relembrados e entendidos esses conceitos básicos sobre a Internet, podemos tratar do assunto principal desse artigo, os Pontos de Troca de Tráfego. Eles existem para ajudar os participantes da Internet a estabelecer relações de troca de tráfego, mantendo as vantagens já apresentadas, mas reduzindo as despesas e problemas envolvidos. O conceito em que se baseiam é extremamente simples: consistem numa estrutura centralizada, onde várias redes podem se interligar. Dessa forma, não são necessários vários enlaces distintos para estabelecer relações de troca de tráfego com diferentes redes, mas apenas um enlace, para o PTT. Esse conceito está ilustrado na figura 4.

Uma vez conectadas, as empresas e instituições podem fazer acordos bilaterais ou multilaterais para troca de tráfego, de caráter comercial ou não. Mesmo relações de compra de trânsito podem também ser estabelecidas através dos PTTs, com um ou mais provedores e em conjunto ou não com relações de troca de tráfego, embora isso não seja o objetivo principal de sua existência.

Costuma-se fazer uma analogia, comparando um Ponto de Troca de Tráfego à uma mesa de bar. Várias pessoas podem estar presentes. A cerveja está disponível. O bar oferece um ponto de encontro e toda a infra-estrutura necessária! Isso não quer dizer que todos estejam bebendo, e menos ainda que todos bebam ou conversem juntos. Essa possibilidade existe e pode até ser bem interessante, mas as circunstâncias podem levar um pequeno grupo a se reunir para beber e conversar num canto, outro no canto oposto, etc. Há vários tipos de situações que podem levar determinadas redes a terem, ou não, interesse em trocar tráfego com outras, mesmo participando do PTT. Estar em um PTT não significa a obrigatoriedade em se trocar tráfego com todos os outros participantes, mas traz, isso sim, essa possibilidade.

Não se deve confundir os Pontos de Troca de Tráfego com backbones. Os PTTs são regionais, normalmente de caráter metropolitano. Sua função não é carregar o tráfego das redes a longas distâncias, mas sim, melhorar os custos e a qualidade das conexões das redes de uma mesma localidade. O ideal é que haja um PTT por região. Com mais de um PTT regional os participantes têm de sujeitar-se a fazer múltiplas conexões, ou a reduzir o número de parceiros na troca de tráfego; em ambos os casos os custos são maiores do que com apenas um PTT por localidade, diminuindo-se a vantagem dos mesmos.

Uma vez entendido o conceito de Ponto de Troca de Tráfego, pode-se dar mais um passo, e tentar entender seu papel na Internet real, em especial no Brasil. A estrutura da Internet pode ser considerada, de forma aproximada, como hierárquica. Em seu centro estão os provedores de nível 1, que são aqueles que têm acesso a toda a Internet sem necessidade de pagar a ninguém. São exemplos de provedores nível 1 a Sprint, a Genuity/BBN, a AT&T, a UUNet, dentre outros. Eles possuem grandes backbones e trocam tráfego entre si diretamente e através de PTTs. Os provedores que não conseguem acesso a toda a Internet através da troca de tráfego, devem se tornar clientes dos provedores de nível 1, pagando a eles pela conexão à Internet. Eles são chamados de provedores nível 2, e nessa categoria incluem-se nossos principais provedores nacionais, como Embratel, Telefônica, Telemar, Brasil Telecom, etc.

A troca de tráfego regional entre os provedores nível 2 brasileiros, e mesmo entre provedores menores e usuários finais, é recomendada, pois traz as vantagens já mencionadas anteriormente: custos menores, com a redução do valor pago aos provedores estrangeiros, e melhoria de qualidade, com diminuição da latência e da taxa de erros nas conexões. Alguns países, como os Estados Unidos, chegam a legislar sobre quem e como deve trocar tráfego no nível mais alto da rede. No Brasil, o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) lançou mão do projeto PTTMetro, como forma de incentivar e apoiar a troca de tráfego regional.

O projeto PTTMetro foi criado em meados de 2004, tendo o escopo inicial de construir cinco PTTs, em importantes capitais brasileiras. No final do mesmo ano entrou em operação o PTT de São Paulo. Atualmente (maio de 2008), são oito os Pontos de Troca de Tráfego do PTTMetro: São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Brasília, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Salvador. Juntos, eles são responsáveis por lidar com um tráfego médio de 3,3 Gb/s de dados, e que apresenta picos de 6,4Gb/s. Podese observar o gráfico do tráfego do conjunto dos PTTs na figura 5. Os picos ocorrem entre as 10h e as 17h, e os vales entre as 4h e as 8h. Os dias com menores tráfegos são os sábados e domingos. Boa parte desse tráfego, caso não estivesse sendo trocado via PTT, dependeria de conexões pagas a provedores de Internet, levando a custos maiores e qualidade inferior de conexão para os participantes. Estão previstos novos PTTs a serem criados em Londrina, Recife e Fortaleza.

É importante notar que, quando se diz que os PTTs devem ser regionais, ou ainda que há um único PTT numa determinada cidade, não significa que possa haver apenas um único ponto de conexão físico ao PTT. Um Ponto de Troca de Tráfego pode ter vários Pontos de Acesso, chamados também de PIXes. No PTTMetro, empresas particulares, como datacenters, podem ser PIXes. Para isso elas devem estabelecer uma conexão com o PIX Central da região através de uma fibra óptica apagada ( que permite grande escalabilidade no tocante ao volume de dados) e arcar com os custos do equipamento local (switch). Elas podem, então, estabelecer condições e valores para a conexão dos participantes do PTT ao seu PIX. Os equipamentos, no entanto, são administrados pelo NIC. br, representando o Comitê Gestor da Internet, que define também a política de troca de tráfego e do uso em geral do sistema de interconexão. Essa infra-estrutura é considerada pelo Comitê Gestor como de uso público e, portanto, seu uso é, hoje, gratuito. Em outras palavras, pode-se pagar ao administrador de um determinado PIX para se conectar ao mesmo, e o preço e condições podem variar de um PIX para outro; no entanto, todo o uso da infra-estrutura do PTT, seja para troca de tráfego ou compra de trânsito de outros participantes, é gratuito. Não se paga pelo volume de tráfego trocado.

A figura 6 mostra a estrutura do PTT de São Paulo, para permitir a melhor compreensão do conceito de PIX. Há um PIX Central, no NIC.br, um PIX acadêmico, na USP, e 5 PIX comerciais, na Brasil Telecom, Locaweb, TIVIT, CTBC e Alog. Não importa onde um determinado participante se conecte, a comunicação com os demais é transparente. Um participante conectado, por exemplo, no PIX Locaweb pode ter um acordo de troca de tráfego com outro, digamos, ligado ao PIX Tivit.

Como no Brasil os custos dos enlaces locais são muito altos, essa diversidade de PIXes colabora de forma importante para o sucesso do projeto. Um participante pode escolher conectar-se ao PIX que implicará num custo de enlace menor. Como muitos dos PIXes são datacenters comerciais, pode também existir o caso em que toda a rede, ou parte importante da rede da instituição participante esteja dentro do próprio datacenter, levando o custo de conexão para próximo de zero.

O PTTMetro tem hoje participantes importantes, como os principais provedores de banda larga: Brasil Telecom, Oi, Telefônica, Embratel, CTBC Telecom, GvT e Net. Conta também com a participação da RNP, que conecta as principais universidades e centros de pesquisa do país. Tem ainda os principais conteúdos da Internet brasileira, através da participação da Locaweb, Terra, Yahoo! e UOL. São cerca de 80 participantes no total, alguns dos quais presentes em mais de um dos PTTs.

A troca de tráfego, emfim, é uma relação de colaboração entre os participantes da Internet que ajuda a manter sua “mágica”: comunicação barata e sem fronteiras; e o PTTMetro, criado por iniciativa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), tem obtido sucesso em viabilizá-la e incentivá-la através de seus Pontos de Troca de Tráfego regionais. Há, no entanto, alguns desafios ainda a serem vencidos: é preciso uma maior participação; é preciso vencer a resistência de algumas redes importantes, especialmente daquelas que se enquadram entre os provedores nível 2, em participar dos PTTs, e em trocar tráfego entre si; há que se encontrar soluções para diminuir os custos de enlace locais, que são exageradamente altos. Um PTT fica mais atrativo à medida em que há mais participantes; e quanto mais atrativo, mais redes querem participar... É preciso, então, crescer - e a Internet só tem a ganhar.

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Para saber mais:

http://www.ptt.br
http://www.equinix.com/pdf/whitepapers/PeeringWP.2.pdf
http://www.nanog.org/mtg-0405/pdf/norton.pdf
http://en.wikipedia.org/wiki/Peering
ftp://ftp.registro.br/pub/gter/gter20/06-migrando-as-intro.pdf
ftp://ftp.registro.br/pub/gter/gter18/08-pttmetro.pdf