Lanhouses no Brasil desafios a enfrentar

Lanhouses no Brasil desafios a enfrentar

Alexandre Fernandes Barbosa, Gerente do CETIC.br
Winston Oyadomari, Analista de Informações do CETIC.br

Data da publicação: dezembro 2010

A rápida proliferação dos centros privados de acesso à Internet, conhecidos como lanhouses, deve-se, sobretudo, à baixa penetração do acesso de banda larga nos domicílios brasileiros e revela a necessidade do cidadão em estar conectado ao novo mundo da informação e das redes sociais. A lanhouse é um fenômeno social que tem maior expressão em regiões urbanas menos favorecidas economicamente, áreas remotas e rurais do país. Como espaço de inclusão digital, elas constituem uma oportunidade concreta para a participação cidadã e para o trânsito no mundo cultural, educacional e de lazer para comunidades carentes por meio das tecnologias de informação e comunicação (TICs).

Promover a inclusão digital no Brasil tem sido alvo de diversos programas governamentais nos últimos anos, e em alguns deles as lanhouses e os telecentros são componentes essenciais para o alcance de metas e objetivos do governo. Neste contexto, o Plano Nacional de Banda Larga, cujo objetivo é diminuir o déficit brasileiro no que se refere ao acesso à Internet Banda Larga, promete aumentar a penetração do acesso à rede nos domicílios, nos próximos anos. Quanto ao papel das lanhouses no futuro próximo, a reflexão que surge, à medida que a penetração do computador e da Internet cresce no país é: qual será o seu papel? Quais são os desafios que o atual cenário Lanhouses no Brasil socioeconômico e tecnológico brasileiro impõe aos gestores desses micro empreendimentos?

A pesquisa TIC Domicílios do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), que investiga o uso das TICs no Brasil, identificou o fenômeno das lanhouses em 2007, quando estes espaços tornaram-se o principal local de acesso à Internet, superando o acesso nos domicílios. Desde a primeira edição da pesquisa, as lanhouses vêm se mostrando um importante local de uso da rede mundial de computadores. A modesta proporção de domicílios com acesso à Internet no país teria sido um entrave para o crescimento de usuários da rede, não fosse esse importante agente de inclusão digital ter se desenvolvido e crescido de forma rápida e complementar às políticas públicas do governo. Apesar de um quarto dos domicílios terem acesso à Internet (segundo a TIC Domicílios 20091), a proporção de usuários da rede já atingiu 39% da população. Uma parte muito significativa deste acesso é, sem dúvida, devido ao fenômeno das lanhouses.

Em 2009, o acesso à Internet em casa registrou crescimento significativo, e o domicílio tornou-se o principal local de uso da Internet no Brasil, fazendo com que o acesso nas lanhouses registrasse um pequeno declínio. Embora o acesso nos domicílios tenha superado o acesso nas lanhouses, a importância desses locais continua sendo fundamental para a inclusão digital e social do cidadão e cidadã brasileiros.

As lanhouses se desenvolveram principalmente nos locais onde a população do país é mais carente de acesso à infraestrutura da Internet e, por conseqüência, fica privada de todos os benefícios oriundos do seu uso. Prova disso é que a experiência de uso nas lanhouses é muito mais incidente nas faixas menos escolarizadas da população e nas camadas menos favorecidas economicamente: classes sociais mais baixas e faixas de renda inferiores. Na área rural, o papel desempenhado pelas lanhouses como agentes de inclusão digital é ainda mais significativo do que temos observado na área urbana. Ao longo de cinco anos, a pesquisa TIC Domicílios tem produzido importantes informações para entender o impacto das lanhouses no processo de inclusão digital da sociedade brasileira ao trazer análises de fatores como classe social, região geográfica, faixa etária e nível de renda com o uso e local de acesso à Internet. Quanto à condição econômica da população, por exemplo, as barreiras para a posse do computador e do acesso à Internet nas classes sociais menos favorecidas da população faz com que 74% dos internautas das classes D e E acessem à Internet nas lanhouses.

Segundo o relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), as regiões Norte e Nordeste possuem o menor IDH do país. Dessas regiões, o Norte apresenta o menor PIB e o Nordeste a menor renda per capita. Essas duas regiões apresentam também as maiores proporções de cidadãos que acessam à Internet em lanhouses, 59% e 63% respectivamente, e o menor percentual de domicílios possuindo computador e acesso à Internet.

A presença das lanhouses em locais onde vivem parte expressiva da população pobre brasileira faz com que estes estabelecimentos tenham um potencial transformador para o qual poucos setores da economia voltaram suas atenções. Além de levar a Internet para essa população, as lanhouses podem oferecer uma gama de serviços importantes para pessoas que até então estavam alijadas de utilizá-los; podem levar acesso à cultura num país no qual mais de 90% dos municípios não possuem sequer uma sala de cinema e mais de duas mil cidades não têm bibliotecas, segundo o Ministério da Cultura. Aos poucos surgem lanhouses que se preocupam também em levar educação digital oferecendo cursos de informática que reduziriam uma das principais barreiras para a inclusão digital no Brasil: as habilidades com o computador e Internet.

Para entender o perfil do gestor das lanhouses e os principais desafios para as lanhouses no Brasil, o CGI.br realizou recentemente a Pesquisa TIC Lanhouses 20102, iniciativa pioneira por sua metodologia e abrangência, que busca identificar as características fundamentais desses estabelecimentos para que se possa dizer ao país quem são de fato essas empresas, quem são as pessoas que promovem este fenômeno, quais são as oportunidades e desafios do setor e qual o papel que cumprem nas comunidades onde atuam. A partir dos resultados da Pesquisa TIC Lanhouses 2010, três principais desafios para os gestores de lanhouses podem ser identificados.

Um primeiro aspecto é a questão legal do negócio. A atividade comercial das lanhouses está fortemente pautada na informalidade. Esta mesma informalidade se coloca como um fator que favorece a adoção de softwares sem licença e limita o potencial de investimento e acesso à linhas de crédito para os pequenos empreendedores. Além disso, aquelas que se declaram formalizadas, mas sob a personalidade jurídica de outras atividades comerciais, podem ficar à margem de políticas públicas que fomentem o negócio das lanhouses e também de possíveis parcerias com o setor público ou privado.

Sendo a maioria negócios familiares, de nível de serviço e atendimento limitado, baixo potencial de geração de receita e que podem funcionar até mesmo em um imóvel de uso residencial, há que se tratar a questão da formalidade das lanhouses com cautela. A informalidade desse negócio foi um dos catalisadores importantes para o seu crescimento e surgimento em locais onde a demanda existe. Assim, um processo de incorporação dessas microempresas ao universo da economia formal que não observe essa realidade pode acabar por engessar um modelo que tem sido responsável por incluir digitalmente uma parcela muito significativa da população brasileira.

O segundo aspecto diz respeito ao papel que a lanhouse deve desempenhar para a sua comunidade local, em especial na busca por uma oferta de serviços diferenciados, até mesmo inovadores. Como se observa a partir da percepção dos empreendedores,há oportunidades para uma oferta qualificada de serviços de maior valor agregado. Considerando também o avanço do acesso domiciliar, vislumbra-se um cenário em que o papel que as lanhouses assumem frente ao seu público deve ser revisitado. Este movimento não é novo, haja visto, por exemplo, os casos abordados pelo Prêmio Conexão Cultura3. O Prêmio foi realizado pela Fundação Padre Anchieta, para dar visibilidade a estratégias inovadoras de usuários e gestores de telecentros e lanhouses. A iniciativa buscou promover mudança de percepção das lanhouses, para que se tornem locais reconhecidos de formação profissional e desenvolvimento cultural.

De qualquer forma, é necessário que este pensamento seja disseminado, massificado, assegurando que as lanhouses voltem a refletir sobre a questão de qual é o seu papel nas comunidades em que estão estabelecidas. O empreendedor já percebe esta demanda. Cabe aos outros agentes sociais - cidadãos, governo, iniciativa privada e terceiro setor -, o alinhamento com este objetivo, oferecendo parcerias, apoio, capacitação, e financiamento. A experiência dos telecentros também pode servir de inspiração, dada a diversidade de serviços que se busca oferecer neste tipo de centro de inclusão. Aproveitando-se do poder de cobertura geográfica das lanhouses, há espaço para que ambos os modelos coexistam e se complementem. O terceiro ponto está relacionado ao modelo de gestão praticado pelas lanhouses. Aqui, novamente, é necessário somar esforços com outros agentes, oferecendo capacitação a esses microempresários, garantindo que a gestão das lanhouses caminhe no sentido da profissionalização. Este é um desafio que a lanhouse compartilha com outros modelos de negócio no país, principalmente entre as microempresas, mas que, dadas as suas características estruturais e as características dos próprios gestores, ganha relevância considerando a necessidade de desenvolvimento dos modelos existentes no presente momento.

Um fator agravante a estes desafios é a imagem das lanhouses perante uma parcela da sociedade, e a incompreensão do seu papel no contexto social. Governos, nas três esferas, têm produzido instrumentos legais que interferem diretamente na sua forma de atuação profissional. Estas políticas não estão necessariamente alinhadas, e adotam premissas que acabam por cercear a atividade: hoje, as lanhouses enfrentam limitações para sua localização próximo a escolas; limites a horários de funcionamento e à faixa etária do público; restrições quanto a softwares que podem ou não ser disponibilizados, e mesmo a perspectiva da efetiva extinção da atividade em nível municipal. É necessário, portanto, que os governos e a sociedade civil tratem a questão das lanhouses com o devido cuidado.

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1. Disponível em http://www.cetic.br/tic/2009/index.htm
2. Disponível em http://www.cetic.br/tic/lanhouse/2010/index.htm
3. Ver em http://www.conexaocultura.org.br/