Modelo de implantação de Rede Universal para Conectividade Universal

Ramon Roca, Lluís Dalmau, Roger Baig, Leandro Navarro - da equipe de Guifi.net, Barcelona, Espanha

Data da publicação: 

Fev/Mai de 2019

Resumo

Há interesse na implantação de redes de cabo e outras infraestruturas de rede para uso privado em terras públicas, mas a falta de diretrizes claras para regulamentar a implantação em terras públicas pode bloquear decisões de autorização, o que pode ser controverso devido às consequências do uso privado de uma infraestrutura privada no espaço público. A Fundação Guifi.net1 propôs um modelo de implantação universal para os municípios, no qual novas implantações por um ente privado são permitidas, desde que haja maneiras de permitir simultaneamente três usos: autoatendimento para o poder público, uso particular para o solicitante, e uso compartilhado ou comum para todos os outros. O princípio pode ser estendido a qualquer outra infraestrutura regional ou internacional implantada em espaços públicos, embora a proporção de recursos para cada uso possa ser ajustada. O efeito desse modelo é que a implantação de infraestruturas privadas gera um retorno direto, uma vez que a infraestrutura de uso compartilhado por todos pode contribuir decisivamente para o acesso universal.

1. Introdução

A questão é simples: permitir e regular a implantação de infraestruturas de redes privadas (tais como cabos privados, torres) em áreas públicas, que literalmente ou conceitualmente pertencem a todos e cada um dos habitantes deste planeta, de modo que gere um retorno para todos, que preserva e contribui diretamente para a conectividade universal. Esse retorno é na forma de estradas da informação de mínimo ou nenhum custo. Desta forma, qualquer investimento privado em infraestrutura de conectividade para benefício privado, sempre resulta em uma infraestrutura de valor agregado para todos.

Em vez de um retorno monetário "abstrato" na forma de impostos para implantações privadas, os cabos terrestres e submarinos deveriam gerar um retorno social obrigatório em termos de uso compartilhado de uma parte da infraestrutura. Esse retorno pode ser na forma de uma fibra de acesso aberto gerenciada coletivamente, como um bem comum. Muitos podem estar interessados nela, mas ao contrário das bandas de espectro de rádio não licenciadas, um par de fibras tem um potencial virtualmente ilimitado de comunicação de acesso aberto entre muitos sob uma governança desse bem comum.

Essas idéias são baseadas na proposta da Guifi.net para implantações municipais como um modelo de "diretiva para a implantação de redes de acesso a serviços de telecomunicações de nova geração em formato universal (ANNGTS)".2 Este documento-modelo é adequado para administrações locais interessadas em promover a implantação de redes de acesso a serviços de telecomunicações de banda larga. O resultado são novas rotas de dados para uso público e compartilhadas pela comunidade.

Estendemos o conceito de implantação universal definido para a esfera municipal, em nível estadual e multiestatal, no caso de cabos submarinos.

Primeiro, descrevemos a ideia de universalidade da participação na Internet com base nos recentes indicadores universais da UNESCO.3 Em segundo lugar, o modelo de implantação universal proposto pela Fundação Guifi.net é descrito no contexto municipal e, finalmente, os princípios gerais do modelo são descritos para qualquer outra implantação, incluindo implementações regionais e transnacionais, bem como cabos submarinos.

2. Universalidade da participação

Os indicadores de universalidade da UNESCO fornecem um quadro de indicadores para avaliar os níveis de realização em diferentes países dos quatro princípios fundamentais do ROAM incluídos no conceito de "Universalidade da Internet", o que significa que a Internet deve basear-se no direitos humanos (R), devem ser aberta (O) e acessível a todos (A), e deve nutrir-se da participação de múltiplos atores (M).

O acesso universal à Internet e seus serviços requer infraestrutura para atender esse acesso. A implantação universal é um modelo de política e regulamentação destinado a garantir a capacidade de todos de aceder à Internet e os serviços habilitados para a Internet, o princípio "A".

Os aspectos infraestruturais são particularmente relevantes para os indicadores de universalidade da UNESCO no tópico A do arcabouço legal e regulatório (A.3 sobre as autoridades que desejam aplicar o acesso universal às comunicações e à Internet, A.4 sobre as formas de aplicá-lo, e A.5 sobre o acesso público), no tópico B sobre conectividade e no tópico C sobre acessibilidade.

3. Diretiva para a implantação de redes de acesso a serviços de telecomunicações da próxima geração em formato universal

O texto a seguir nesta seção é baseado em trechos de uma tradução para o espanhol do documento proposto pela Fundação Guifi.net.4

As comunicações eletrônicas ou as telecomunicações são serviços com um efeito crescente na sociedade em geral, afetando todas as áreas, desde o lazer e a formação das pessoas até as atividades econômicas. São também um pilar para o apoio de serviços públicos inteligentes. Acelerar a existência da melhor oferta tecnológica ao custo mais razoável possível é, portanto, um pré-requisito para o desenvolvimento de nossa sociedade, serviços públicos e a competitividade das empresas no território.

O escopo deste trabalho, realizado pela Fundação Guifi.net, é o já mencionado ANNGTS. Estas são redes de telecomunicações baseadas em fibra óptica ou similar, quando as redes fornecem acesso a serviços semelhantes que estão disponíveis para o público em geral com velocidades simétricas de 100 Mbit/s ou mais.

O objetivo é adaptar o novo marco regulatório europeu e estadual à área local de maneira clara e estável:

1. Cumprir com as diretivas europeias e o ordenamento jurídico aplicável a nível nacional e catalão, enquanto são desenvolvidas as competências próprias de cada município em assuntos relacionados, como os aspectos espaciais de efeitos visuais ou a garantia de transparência e a não discriminação.

2. Para facilitar a implantação de serviços de redes de acesso de telecomunicações de próxima geração (ANNGTS) com a máxima rapidez e eficácia possível, estimulando e maximizando a eficiência do investimento, assegurando a sustentabilidade com base na utilização e minimizando o custo para a administração pública, cidadãos e sociedade em geral.

3. Facilitar a implantação das infraestruturas conectadas necessárias (sensores, dispositivos, atuadores etc) para desenvolver novos e melhores serviços públicos inteligentes (iluminação, gestão de resíduos, segurança, mobilidade etc).

4. Proporcionar aos cidadãos e à sociedade em geral acesso real a uma oferta variada e acessível de serviços de telecomunicações da mais alta qualidade e capacidade, independentemente de sua localização, sem condicionar modelos de negócios desenvolvidos pelo setor privado, assegurando sua diversidade e evitando os domínios de situação ou especulação que prejudicariam essa diversidade.

5. Estabelecer um critério geral para que os pontos anteriores sejam aplicados o mais rápido possível, sem ter que improvisar no momento da implantação.

3.1.1 Escopo de aplicação

O escopo de aplicação refere-se à competência de um município em relação à infraestrutura capaz de hospedar o ANNGTS ou seus componentes

3.1.2 Razões de sua necessidade

Três razões principais:

1) Exercer efetivamente as responsabilidades municipais, indo além dos regulamentos estatais e europeus – As diretivas européias e as regulamentações estaduais enfatizam a importância da implementação do ANNGTS e descrevem desafios importantes para torná-lo possível. Na prática e para atingir a população, a maioria dos espaços e infraestruturas suscetíveis de serem hospedados pelo ANNGTS, a administração local, direta ou indiretamente, possui algum tipo de competência. Para cumprir efetivamente as regulamentações estaduais e europeias, é essencial que elas passem para a área de regulamentação local.

2) Gestão eficiente do espaço para todos os operadores – Um dos desafios mais complexos é garantir o acesso a todos os operadores, sem discriminação e em condições de igualdade, quando o espaço físico, por definição, é limitado e o custo da infraestrutura civil é alto. É ainda mais complexo se, como também é requerido, a intervenção desde a administração até o compartilhamento é a mínima necessária, não é imposta sistematicamente, é devidamente justificada e encoraja redes de compartilhamento voluntário. Por esta razão, nesta diretiva, um procedimento é desenvolvido de acordo com o qual cada operador pode aceder à infraestrutura compartilhada no formato livremente escolhido, e somente estabelece ações antes de esgotar a capacidade disponível, estabelecendo métodos racionais para gerenciar infraestruturas públicas existentes de forma eficiente, agindo para continuar mantendo a capacidade disponível.

3) Promoção de acordos voluntários e desenvolvimento de boas práticas de compartilhamento – Dado que as autoridades já administram espaços e domínios públicos para abrigar vários serviços e, na medida do possível, preveem que tais infraestruturas apoiem a implantação do ANNGTS não só no nível privado, mas também em uma base compartilhada, a prestação de qualquer serviço em qualquer modo de operação ou modelo de negócio não é mutuamente excludente. É uma oportunidade para melhorar a eficiência e a diversidade e, consequentemente, para desenvolver o marco regulatório existente no nível municipal de maneira coerente e ordenada.

3.1.3 Consequências da não adoção

a) Perpetuação de práticas obsoletas e interpretações conflitantes da lei:

Mesmo que seja por simplicidade e ausência de critérios bem definidos, existe um risco de que, por inércia, ocupações ocorram sem aportar outros usos, evitem adicionar outros no futuro, ou perpetuem as práticas antigas ou obsoletas que não são nem as mais eficientes nem correspondem às capacidades do ANNGTS, que, como mencionado acima, são muito mais amplas do que outros serviços tradicionais e estão evoluindo rapidamente.

É importante notar que, antes das mudanças regulatórias, o marco era muito diferente; portanto, procedimentos apropriados foram estabelecidos para um monopólio estatal para o uso das infraestruturas que atualmente são capazes de suportar o ANNGTS.

Por exemplo, na situação anterior, quando um operador público ocupava uma infraestrutura, ocupava o domínio em sua totalidade. Atualmente os operadores são privados. Nos casos em que a partilha é tecnicamente viável, se for dada a oportunidade, eles poderiam aspirar a que as ocupações sejam interpretadas de acordo com as práticas existentes para evitar a presença de novos concorrentes. Os novos entrantes seriam então obrigados a exercer um procedimento excepcional, como ter de apelar através do regulador, de modo que os ocupantes se vejam obrigados a compartilhar ou estabelecer um conflito – e isto é muito menos efetivo do ponto de vista do cumprimento da lei do que ter uma forma bem estabelecida de compartilhar a partir de uma norma. Tudo isso desestimula novas implantações.

b) O aumento dos custos e a brecha digital:

As infraestruturas necessárias para a efetiva prestação desses serviços de nova geração têm um custo significativo. Não compartilhar traz vários perigos: a disponibilidade de infraestrutura se traduz em uma falta de diversidade real da oferta; a implantação torna-se irregular ou lenta, seguindo critérios estritamente especulativas ou baseados unicamente na eficiência econômica; alguns operadores tentam impedir a entrada de outros; sobreinvestmentos;5 o comportamento da administração afeta certos modelos de negócios, excluindo ou impedindo novos modelos. Todos esses perigos podem, no final, materializar-se, causar discriminação no acesso e aumentar desnecessariamente o custo dos serviços.

c) Falta de agilidade nas implantações:

Quando as operadoras desejam implantar uma rede com acesso a infraestruturas existentes, é desejável que a ocupação seja processada e executada com o máximo de agilidade. No entanto, além dos problemas já mencionados, se não existirem critérios previamente definidos haverá o risco de retardar ou paralisar a implantação planejada.

3.1.4 Avaliação dos efeitos

a) Nas redes já implantadas: a diretiva não tem efeito nas redes implantadas anteriormente. A diretiva considera qualquer uso e, portanto, também inclui implementações existentes. Em todo caso, impedirá que esses usos, ocupações e os acordos que os sustentam sejam interpretados de maneira contrária à lei e que se estendam não apenas em termos de emprego e implantação, mas também em termos de capacidade ainda disponível.

b) Sobre os cidadãos: ao facilitar o desenvolvimento e o surgimento de uma oferta mais variada e de menor custo no ANNGTS, melhora o acesso à sociedade da informação reduzindo a brecha digital por razões econômicas ou territoriais.

c) Sobre os negócios e a economia em geral: ao facilitar a implantação e o desenvolvimento de uma maior escolha a custos mais baixos para o ANNGTS, melhora a competitividade do território e evita aspectos relacionados a estes serviços que podem causar deslocalização.

d) Nos operadores: facilita o surgimento de novos operadores e novos modelos econômicos podem ser desenvolvidos, como aqueles baseados no compartilhamento de recursos ou na economia colaborativa.

e) Benefícios para o município: mais especificamente, para o município os efeitos mais significativos são (entre outros):

1) Estabelece um quadro, procedimentos e critérios gerais para a ação da câmara municipal no seu âmbito de ação relativamente à implantação do ANNGTS e à partilha das infraestruturas relacionadas.

2) A normalização de ocupações anteriores, sem afetá-las na prática, adaptando-as ao novo marco normativo vigente, evitando interpretações contrárias à lei.

3) Conforme o caso, prevê-se melhora na capacidade de autoatendimento da Prefeitura e dos serviços públicos inteligentes, reduzindo custos.

4) Permite que a prefeitura, se desejar, recupere os custos de implantação do ANNGTS ou das infraestruturas que o abrigam.

5) Ao coexistir, na mesma infraestrutura, usos da prefeitura com usos comerciais em que já esteja previsto cobrir o custo de sua manutenção, o custo recorrente da Prefeitura necessário para a manutenção é reduzido.

3.2 O princípio

Em suma, o governo deve facilitar o acesso a estas infraestruturas em condições objetivas, transparentes e não discriminatórias, nunca exclusivamente ou preferencialmente a um determinado operador, proibindo o acesso concedido por licitação. A implentação em formato universal e tipo de transmissão para a implantação do ANNGTS estabelecido nesta diretiva é a fórmula que permite a realização desta oportunidade e de obrigações consistentes dentro do marco regulatório existente.

Como é típico de uma economia de mercado, na implantação de redes ou infraestruturas ANNGTS realizadas plenamente com os recursos e por iniciativa própria pelos operadores, e quando os respectivos serviços são disponíveis para o público em geral, estes serão oferecidos e operados no formato que o operador determine livremente. Em qualquer outro caso, a implantação será baseada no formato universal. Os critérios para estabelecer a unidade estrutural mínima relevante para o formato universal será o mais prático e razoável, sem gerar um custo adicional significativo ou desproporcional em comparação com o investimento normal.

3.3 Os usos

a) Autosserviço para a prefeitura:

O uso de infraestruturas ANNGTS para fornecer comunicações públicas a serviços públicos inteligentes ou entre seus próprios locais públicos. Se o conselho da cidade desejar, pode renunciar a esse uso tornando-se um usuário dos outros operadores.

b) Privado:

A operação da infraestrutura é privada quando um operador que fornece serviços a terceiros (outros operadores ou usuários finais) o faz em forma privada, ou quando uma entidade privada que não seja um operador utiliza os recursos da rede para autosserviço. Quando um operador compartilha seu uso privado com terceiros, mas se reserva o direito de decidir as condições de compartilhamento, este também é considerado um caso de uso privado. Esse compartilhamento também é chamado de compartilhamento vertical ou revenda.

c) Bem comum compartilhado entre os operadores:

É a implementação em que, independentemente da propriedade pertencer a uma administração pública ou privada, a infraestrutura é considerada um bem comum e é efetivamente compartilhada entre os operadores através de um sistema de governança que garante a ausência de conflito de interesses e que estará sempre aberta qualquer operador qualificado que queira participar em condições de transparência e igualdade. É assim criado um espaço compartilhado (também chamado comum, neutro e aberto), em que se desenvolve uma economia colaborativa e onde as taxas de administração e manutenção são compensados proporcionalmente pelas operadoras que compartilham a infraestrutura ANNGTS e seu uso.

Especificamente, considera-se que há conflito de interesse quando a mesma atividade é praticada pela entidade responsável pela governança ou pelas pessoas que a gerenciam, ou quando há um interesse de propriedade, ou interesses similares relacionem outros operadores em competição, a fim de explorar os elementos estruturais do ANNGTS para oferecer serviços aos usuários finais, mesmo que essa competição ocorra em outros lugares ou municípios.

Uma declaração de intenção ou valor não é suficiente. A governança deve ser efetivamente implementada por meio de uma entidade legalmente constituída para esse fim e deve atender aos requisitos mencionados nesta definição. Quando a propriedade corresponde a uma administração pública local, considera-se como propriedade comunal como previsto pela lei.

3.4 O mecanismo de implantação no formato universal

A implementação no formato iniversal permite simultaneamente os três usos descritos na seção anterior (autoatendimento para o município, serviço privado e bem comum compartilhado entre operadores). Para isso, é dividido em três partes, uma para cada uso. No início, cada parte tem uma unidade estrutural mínima. O restante das unidades estruturais livres permanece disponível para aqueles que precisam delas e que demonstraram irrefutavelmente que esgotaram a capacidade inicialmente reservada.

Figura 1: Reserve as partes iniciais de um cabo de fibra ótica no formato universal usando tubos de fibra como unidade estrutural mínima: 1. Primeiro, três partes são feitas com uma unidade estrutural mínima (tubo de fibra), cada uma reservada para cada uso. 2. A seguir, cada peça pode ser expandida em novas unidades estruturais mínimas usando o restante que permanece livre, quando for irrefutavelmente demonstrado que elas esgotaram de forma eficiente as unidades designadas anteriormente.

Veja na Figura 1 um exemplo da distribuição inicial de reservas para o uso de um cabo de fibra ótica em três partes (autosserviço para o município, privado e compartilhado), utilizando tubos de fibra como unidades estruturais mínimas.

Uma unidade estrutural mínima é a menor unidade que pode ser atribuída a um único uso da maneira mais prática, permitindo o gerenciamento de uma única infraestrutura para vários usos diferentes, de acordo com o modelo de formato Universal. Por exemplo, em tubos múltiplos a unidade estrutural mínima é o tubo, e em cabos isolados, quando as subducções são viáveis, o subduto em um tubo.

Possivelmente este critério pode ser aplicado mais tarde pelo operador de fibra a fibras em um tubo ou fibras nuas (microtubos), a uma fibra isolada, quando é viável multiplexar vários comprimentos de onda na mesma fibra para comunicação bidirecional, através de virtualização de rede no mesmo circuito físico.

Em qualquer caso, será utilizada a unidade que permite a divisão viável e prática dos usos com critérios semelhantes aos aplicados nos pontos anteriores. Caso não exista, seu uso será preferencialmente oferecido no formato compartilhado ou como bem comum, que naturalmente deve aguardar o uso compartilhado da mesma unidade estrutural em condições de transparência e não discriminação, e adequado para qualquer uso.

4. Formato genérico de implantação universal

O princípio da implantação universal no modelo Guifi.net pode ser estendido a qualquer outra infraestrutura de cabo, incluindo torres construidas em espaço público, seja na superfície terrestre ou sob a água. Em suma, o que pertence a todos deve gerar benefícios para todos.6 Este regulamento está relacionado com o conceito de redução de custos ou recomendações de compartilhamento de infraestrutura, com uma exigência adicional de partilha obrigatória de infraestrutura para utilizar o espaço público, criando caminhos para o uso público e compartilhado. Poderíamos ver isso como uma colaboração público-privada-cidadã que beneficia a todos.

O objetivo é definir o princípio do uso compartilhado obrigatório da infraestrutura para implantações privadas no espaço público e na infraestrutura comum. Este princípio está relacionado com as recomendações da UIT sobre os benefícios do compartilhamento de infraestrutura,7 com o trabalho relacionado da APC sobre o tema de "maximizar o acesso e minimizar os recursos necessários para a infraestrutura de comunicações, tornando a implantação muito menos cara e mais rápida",8 e com a diretiva da União Europeia sobre a redução dos custos na implantação de redes de banda larga de alta velocidade.9 Na recente IETF 102, como parte do grupo de trabalho GAIA10 da IRTF, apresentamos a proposta que pretendemos continuar a desenvolver.11

Sabemos que os provedores de telecomunicações são regulamentados em muitos países para fornecer o "serviço universal". Além dos que são comercialmente rentáveis, do “mercado” onde as pessoas podem pagar pelos serviços, em outros os preços estão fora do alcance das pessoas e o custo de implantação é muito alto (áreas remotas, rurais). Apesar dos incentivos econômicos para reduzir os custos, os provedores de telecomunicações comerciais continuam alegando que não podem prestar serviços em áreas rurais e pobres devido a margens comerciais baixas ou negativas.

Alguns reguladores permitem a adoção de medidas excepcionais nessas áreas de "falha de mercado", incluindo o investimento público, para desenvolver infraestrutura em esquemas de cooperação como as parcerias público-privadas nessas áreas. Isso é típico das áreas de economia de subsistência. Esses planos de cooperação e compartilhamento em muitas regiões do mundo são motivados pela falta de infraestrutura para alcançar todos. Há muitas áreas que as implantações de fibra não podem cobrir, especialmente na África (fontes: UIT12 e Steve Song13).

Afirmamos a necessidade de mais políticas e regulamentos para ajudar os desassistidos e desconectados a escolher e desenvolver suas próprias infraestruturas. Afirmamos que o desempenho social do uso do espaço público necessário para implantar a infraestrutura (torres, dutos etc) deve ser em termos de infraestrutura para uso universal, não simplesmente em termos de impostos. Esse desempenho em termos de infraestrutura pode ser compartilhado, com gerenciamento e manutenção compartilhados proporcionalmente ao uso. Para uso governamental (a prefeitura no caso municipal) propomos uma isenção de custos de manutenção para o autoatendimento da prefeitura.

O compartilhamento pode ser implementado através de um modelo comum: o custo de gestão e manutenção da infraestrutura afeta os operadores na proporção do uso que cada um faz da mesma, aplicando critérios de transparência, ausência de conflitos de interesse e não discriminação. Para cumprir essas condições, a implementação da participação no patrimônio comum é realizada por meio de uma entidade responsável pela governança desse uso compartilhado.

Existem três tipos de uso de fibra: 1) autoatendimento: fornecer comunicações públicas para serviços públicos inteligentes ou uso interno; 2) privado: a entidade que promove a implantação, geralmente uma operadora que fornece serviços a terceiros ou a uma entidade privada; 3 ) compartilhada ou comum: compartilhar entre operadoras da mesma infraestrutura de forma eficiente, através de um sistema de governança que garanta a ausência de conflitos de interesse e que esteja sempre aberto a qualquer operador qualificado que deseje participar em condições de transparência e igualdade, criando assim um espaço compartilhado, no qual os custos de gerenciamento e manutenção são proporcionalmente compensados pelos operadores que compartilham a infraestrutura ANNGTS e seu uso.

Tal como acontece com os impostos sobre o rendimento ou com o imposto sobre valor adicionado, pode ser necessário ajustar a proporção de retorno para atingir a "universalidade" de modo a não comprometer qualquer potencial investimento. Impostos e taxas muito altos afastariam a iniciativa privada e impostos e taxas excessivamente baixos impediriam as administrações públicas e outros operadores de fornecer os serviços públicos esperados nas sociedades modernas. "Universalidade" (para todos, para todos os três tipos de usos) requer um retorno em termos de meios de comunicação de custo mínimo, o direito de passagem, como uma oportunidade de "valor agregado" para a comunicação em cada grupo de usos, e estas vias podem ser em termos de unidades estruturais (por exemplo, comprimentos de onda numa fibra ou um par de fibra em um tubo).

Uma vez que a rota esteja lá, a capacidade de uma fibra para cada tipo de uso pode crescer indefinidamente (é necessário governança e cooperação na gestão de recursos comuns em cada tipo de uso). Portanto, o uso público (pesquisa, governo) e compartilhado ou comum (por exemplo, interconexão em pontos de troca de tráfego, transporte comum de dados) também pode se beneficiar dela.

A única restrição é que a parte dos bens comuns tenha sempre a maior prioridade em caso de escassez porque: 1) é a mais eficiente graças às contínuas inovações em multiplexação e expansão de capacidade (a suposição de capacidade prática quase infinita é razoável em fibra óptica) e gestão coordenada; e 2) porque está sempre aberta a todos, incluindo aqueles que têm acesso a outros formatos. Por isso, se ocorrer o esgotamento da capacidade em qualquer caso, os operadores sempre podem aderir ao uso da parte comum.

O princípio fica mais claro pelo seu oposto: uma implantação puramente privada e uso de um cabo submarino, que não permite o valor adicionado de conectividade "universal", não soa bem (mesmo com um pagamento de imposto baseado em dinheiro para apenas alguns governos).

Em qualquer caso, o formato universal proposto visa desestimular e evitar qualquer prática especulativa ou predatória (isto é, esgotar a disponibilidade para aumentar os preços ou bloquear a concorrência). Como já dito, o único objetivo é garantir o retorno à sociedade para o uso de bens comuns. Estes são os territórios públicos no caso de implantações terrestres e as áreas marítimas (no caso de cabos submarinos). A única diferença é que nos propomos a trocar os impostos pela capacidade da rede diretamente.

5. Conclusão

A universalidade do acesso não vem do zero, precisa de uma infraestrutura onipresente, que pode ser construída graças ao retorno em infraestrutura de implantações privadas em terras públicas, o direito de passagem em terras públicas, resultando em um custo mínimo de infraestrutura em comum para o uso de serviços públicos e uso compartilhado. Esse retorno impede a privatização do espaço público ou, em outras palavras, práticas extrativistas ou anticompetitivas baseadas no acesso limitado ou na exclusão da Internet. Os beneficiários são serviços públicos digitais e todos os membros de uma comunidade, incluindo iniciativas sem fins lucrativos e com fins lucrativos. Até certo ponto, é equivalente, em termos metafóricos, a não permitir estradas para uso privado, a menos que uma faixa seja dada para uso do poder público e outra para qualquer um compartilhar.

Esse modelo, baseado na proposta de diretiva de Guifi.net,14 propõe separar três tipos de usos e esclarecer como uma municipalidade tem que regular o uso do espaço público por uma entidade privada, de forma clara, para o benefício de todos, evitando a privatização desse espaço: o setor privado paga a implantação e a manutenção em troca da criação e do fornecimento de uma nova maneira de uso público ou compartilhado.

Na tecnologia de hoje, isso implica que qualquer implantação privada de fibras em terra ou no mar resulte em um retorno para todos de fibras para uso público e compartilhado.

Esse modelo de regulamentação vai além da recomendação de compartilhar a infraestrutura proposta pela UIT, bem como da diretiva de redução de custos da Comunidade Europeia (que estabelece um retorno obrigatório por padrão). A taxa de retorno pode variar de acordo com as condições de custo-benefício em cada contexto, das terras municipais até os terrenos regionais, nacionais, internacionais e sob o mar.

Ele pode ser visto como uma colaboração público-privada-cidadã que resulta em benefícios para todos – a iniciativa privada que pode implantar a infraestrutura de que precisa e uma infraestrutura comum resultante que beneficia a todos.

Combinado com fundos redistributivos de serviço universal, redes comunitárias e pontos de troca de tráfego de Internet, isso deve resultar em uma infraestrutura compartilhada para o acesso universal.

Sua implementação pelas autoridades públicas pode variar em termos de instrumentos de política (incluindo as diretivas municipais) ou pode vir de adoção voluntária (ações de responsabilidade social corporativa) por empresas de Internet privadas, e da necessária supervisão de práticas por uma organização global.

Em um caso específico, uma autoridade municipal, regional ou nacional de um país como o Brasil poderia autorizar, sem prejudicar o interesse público e social, um provedor privado (como um operador de telecomunicações, uma empresa de energia que precisa de fibra para monitorar sua rede, qualquer empresa que deseje conectar suas diversas sedes) a implantar fibra em troca de permitir uma parte para uso público e outra para uso compartilhado aberto. Segundo este modelo, qualquer investimento privado para a implantação de fibra para necessidades e benefícios privados permitiria, por exemplo, à Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) ou às operadoras de telecomunicações alternativas chegar a novos lugares a um custo mínimo e permitir a interconexão dos escritórios e serviços municipais na cidade e além.
--

1 Ver http://guifi.net/pt-pt/node/54051

2 Do inglês, “Access Networks to Next-Generation Telecommunication Services”.

4 http://people.ac.upc.edu/leandro/docs/ordinancePEIT-rev14-en.pdf (versão antiga - original em catalão disponível em https://fundacio.guifi.net/web/content/2322). Infelizmente a diretiva (“ordenanza”) não está sendo aplicada por nenhum município apesar de que muitos estão interessados na proposta devido à (deliberada) falta de uma resposta clara das autoridades públicas superiores.

5 O sobreinvestimento ou sobreconstrução consiste na implementação de infraestrutura ANNGTS além da necessária, duplicando ou multiplicando os investimentos.

6 Imaginar as "bandas de acesso aberto" para cabo ou fibra.

7 Trends in Telecommunication Reform 2008: Six degrees of sharing , UIT: novembro de 2008. Ver http://www.itu.int/ITU-D/treg/publications/trends08.html

8 Compartir infraestructura para mejorar el ancho de banda y el acceso universal, APC: n/d. Ver https://www.apc.org/es/project/compartir-infraestructura-para-mejorar-el...

9 Digital Single Market: EU rules to reduce cost of high-speed broadband deployment, Comissão Europeia: 26 de novembro de 2018. Ver https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/cost-reduction-measures

10 GAIA - Global Access to the Internet for All Research Group, IRTF: outubro de 2014. Ver https://irtf.org/gaia

14 A versão atual (28) está em catalão. Ramon Roca e Lluís Dalmau da Fundação Guifi.net criaram e coordenaram a preparação deste documento, que pode ser consultado em https://fundacio.guifi.net/en_US/page/documentos

 

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