Infovia Municipal - Um novo paradigma em Comunicações

Por Leonardo de Souza Mendes, Coordenador do Laboratório de Redes de Comunicações da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp

Data da publicação: 

Julho de 2008

Desde o final do século XIX, com o desenvolvimento dos primeiros sistemas de comunicação eletro-eletrônicos, as comunicações têm contribuído para provocar revoluções radicais periódicas no "modus operandi" das sociedades modernas. Mais acentuadamente, após o desenvolvimento da tecnologia digital, estes períodos têm encurtado de tal maneira que nos dias atuais tem-se dificuldade em separar os conceitos de evolução e revolução.

A mais recente destas mudanças radicais tem acontecido com a convergência entre o conceito de redes ópticas de comunicações que oferecem banda ilimitada e o modelo de transmissão de dados de redes TCP/IP. Esta convergência nos leva à construção de uma rede inteligente de comunicações que permite a oferta de uma enorme gama de serviços e aplicações moldados à disposição e sob o controle do usuário final. Por exemplo, a utilização deste modelo permite que os serviços de distribuição de TV, acesso à Internet e telefonia sejam realizados em uma mesma rede. Além destes, novos serviços podem ser implementados, tais como videoconferência, escolas virtuais, empresas virtuais, e muitos outros.

O ambiente que se desenha aqui pode ser visto como uma extensão da Internet. Alguns projetos com esta infra-estrutura têm sido desenvolvidos e popularizados com o nome de Internet 2 ou Supervias de Informação.

Para que este modelo possa se tornar acessível como um ambiente de convergência de comunicações é necessária a criação de uma infra-estrutura que inclua desde os aplicativos e sistemas até a logística de dados e comunicações. O objetivo é a construção de um ambiente de comunicação intramunicipal que leve à modernização dos municípios. Essa infra-estrutura tem como uma de suas grandes vantagens a possibilidade de convergência e democratização dos diferentes meios de comunicação e informações, permitindo o fluxo de dados multimídia, tais como imagens médicas, videoconferência, educação a distância, bancos de dados educacionais e serviços de transporte de voz para comunicação interna, tudo isto podendo fazer parte de um ambiente de distribuição de informações, isto é, gerando a universalização da informação.

O acesso universal à informação é pré-requisito para a evolução da Sociedade da Informação. Essa universalização pode ser obtida através das Infovias Municipais, ou seja, através do conjunto das camadas física (hardware), de controle operacional (software) e de serviços que compõem todo o sistema. Assim, as Infovias diferem das redes de comunicações atuais pelo seu caráter universalizante e por serem redes multiserviço, que possibilitariam a distribuição de todos os serviços oferecidos separadamente pelos sistemas atuais. Isto significa que ela é capaz de tratar com igual eficiência tanto o tráfego de dados como os de telefonia, vídeo e áudio. Em lugar de considerar o acesso aos serviços como uma mercadoria, as Infovias devem ser consideradas como sendo a infra-estrutura necessária para uma nova forma de organização social.

O impacto sócio-econômico do acesso universal é tão grande que governos, como o da Coréia do Sul, já conseguiram prover universalização de acesso com 1,5 Mb/s para 100% dos lares. Na Europa, principalmente nos países escandinavos, mais de 70% das residências contam com conexões rápidas (acima de 2 Mb/s), sendo que com 30 euros por mês é possível ter um acesso de 15 Mb/s. No Japão, os provedores já oferecem acessos de 100 Mb/s, através de Fiber-to-thehome, isto é, levando fibras ópticas até a residência do usuário, pelo valor de US$ 70,00/mês. O governo japonês, junto com a iniciativa privada, pretende disponibilizar aos assinantes conexões de 10 Gb/s até 2010, e até 2015 pretende ter todas as residências com acesso à Internet.

O atraso no desenvolvimento das Infovias tem um custo de oportunidade que pode ser estimado pela perda de PIB devido à sua ausência. A diferença de US$ 3,4 trilhões de dólares entre previsões realizadas no ano 2.000 baseadas na hipótese da existência de uma rede com acesso universal (estimativa de US$ 6,8 trilhões) e a realidade, indica que o volume desse custo é da ordem de trilhões de dólares em escala internacional. Para o Brasil, cujo Produto Interno Bruto está entre 2 a 3% do PIB mundial, isso pode representar algo da ordem de US$ 100 bilhões de perda de PIB por ano de atraso.

Todas essas considerações apontam que as Infovias se tornarão realidade de uma forma ou de outra, quer sua construção fique a cargo da iniciativa privada ou da pública, quer sejam implantadas rapidamente ou mais lentamente. Entretanto, os custos de utilização e implantação das Infovias e a própria inserção tecnológica do Brasil nesse contexto dependerão fortemente da forma como as mesmas sejam implantadas. Tanto a camada física como a de controle das Infovias Municipais podem ser implantadas completamente através de componentes e serviços importados, com transferência de renda e empregos para o exterior, ou desenvolvidos internamente mantendo a renda e, ao mesmo tempo, abrindo oportunidades para exportações.

AS CIDADES E A INFOVIA MUNICIPAL

As Infovias Municipais beneficiam um extenso número de atores sociais. Elas podem, por exemplo, oferecer aos moradores das cidades acesso rápido e seguro a um grande número de serviços comunitários, incluindo serviços de saúde e educação. Outras contribuições importantes das Infovias são: interligação dos edifícios públicos, incluindo escolas e hospitais; interligação da rede de governo com a Internet; oferta aos governos de um meio rápido, seguro e eficiente para prover informações aos cidadãos; implantação de um ambiente de vídeo-conferência e/ou de comunicação por voz entre os edifícios do governo, com isso permitindo enorme economia de recursos; acesso universal do cidadão aos serviços de comunicações, incluindo Internet, telefonia e TV; acesso às aplicações da Internet como e-mail, www, etc; e diversos outros usos. As Infovias também beneficiam enormemente a economia, através do oferecimento de um meio rápido e de baixo custo para comunicação com o setor produtivo e pelo setor produtivo. Apesar de algumas destas aplicações ainda exigirem regulamentação própria, a tendência mundial é em direção a uma liberação do uso da Internet para tráfego de voz, vídeo e de vídeo-conferência.

O PROJETO DE INFOVIAS PARA MUNICÍPIOS

O desenvolvimento de projetos de Infovias Municipais para municípios tem como objetivo implementar uma verdadeira revolução na gestão da coisa pública, levando os governos municipais a assumir a liderança no processo de desenvolvimento de uma nova sociedade, fundamentada fortemente nos conceitos de igualdade e solidariedade, e efetivando o ideal de universalização de oportunidades.

A construção de padrões de interoperabilidade entre as soluções do próprio projeto e destas com sistemas corporativos de outros municípios, dos governos estadual e federal e com sistemas desenvolvidos pela iniciativa privada é um dos princípios fundamentais deste projeto. Assim, as soluções poderão ser implementadas com facilidade tanto através de fornecedores privados quanto através de software livre, garantindo sempre uma interoperabilidade entre as soluções.

Em termos simples, a Infovia Municipal é uma rede de comunicações de alta velocidade, com núcleo de fibras ópticas, sobre a qual opera um ambiente de comunicações baseado nos protocolos da Internet. Os acessos secundários, isto é, acessos das instituições ao backbone, sejam elas públicas ou não, também podem ser baseados em uma estrutura óptica de transmissão. No entanto, o uso de tecnologias alternativas, tais como DSL e rádio digital, reduzem os custos de implantação sem que ocorram perdas significativas na qualidade do sistema. As taxas de transmissão disponibilizadas nos acessos secundários podem variar de 256 Kb/s a 1 Gb/s.

Para uma maior segurança das informações que estarão trafegando na Infovia, e também para uma melhor qualidade do sistema de transmissão, a infra-estrutura de fibra deve ser implementada com capacidade de proteção e restauração.

O modelo lógico de operação da Infovia Municipal é baseado no padrão TCP/IP, dentro de suas mais diversas possibilidades, tais como: IP/MPLS/ Camada Óptica, IP/Camada Óptica, IP/ WIRELESS, etc. A escolha do padrão TCP/IP nos assegura a capacidade de interoperação entre diferentes Infovias Municipais ou destas com os serviços públicos de acesso à rede global de dados, a Internet.

Uma das principais aplicações da Infovia Municipal está na integração e modernização de todos os aspectos da administração pública, através da implantação de Governo Eletrônico, além de oferecer inúmeros serviços de alta tecnologia aos cidadãos. Essa solução utiliza-se das infraestruturas de telecomunicações e tecnologia da informação para oferecer um ambiente tecnológico adequado para a implantação de diversos sistemas ou aplicativos. No Município Digital é possível implementar um grande número de aplicações e soluções de rede, tais como: Sistemas de e-Gov; Sistemas de e-Saúde; Educação a Distância; Internet Banda Larga para os Cidadãos; Comunicação Multimídia; Telefonia IP; Vídeo sob Demanda; e-TVs e e-Rádios; e-Segurança.

RESULTADOS E IMPACTOS SOCIAIS

O Laboratório de Redes de Comunicações (LaRCom) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) tem, ao longo dos últimos 12 anos, desenvolvido seus principais esforços na construção de arquiteturas e modelos de redes de comunicações que possam promover um real inclusão social. Desde 1999, uma grande parcela de nossos esforços foi direcionada num amplo projeto de universalização das comunicações a partir da inclusão digital nos municípios. Como conseqüência deste direcionamento, nossas principais iniciativas passaram a tratar das Infovias Municipais e de projetos de interesse social construídos a partir destas.

O projeto Infovia Municipal prevê a construção de vias públicas de comunicações para os municípios. Um destes, para a cidade de Pedreira, já foi materializado na implementação da primeira Infovia Municipal brasileira construída dentro do modelo proposto (via pública de informação com livre acesso). Em Pedreira já foram instalados 8 km de fibra óptica interligando as principais instalações da prefeitura, incluindo aqui a maioria das escolas e dos postos de saúde, através de uma rede de 1Gb/s. Alguns pontos remotos foram, nesta primeira fase, interligados por links de rádio a taxas de 20Mb/s. Dentro do mesmo projeto foi implementada uma plataforma de Telefonia IP para a Infovia que passou a absorver todo o tráfego interno de voz da prefeitura, permitindo uma redução substancial nos custos de telefonia do município. A segunda fase do projeto, atualmente em curso, prevê a abertura da Infovia para todos os munícipes através de células de distribuição de rede sem fio. Cada célula permite o acesso de aproximadamente 60 pontos. Atualmente, em torno de 700 pontos foram disponibilizados para acesso ao público. Até agosto de 2008 este número chegará a 4500 pontos, atendendo em torno de 40% das residências, do comércio e das indústrias do município. Nossa meta é chegar ao final do ano com 100% de cobertura no município. O acesso ao cidadão (que serve tanto às residencias como ao comércio e indústrias) permite tanto a conexão à rede corporativa da prefeitura como o acesso à Internet.

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GLOSSÁRIO

ADSL (Linha Digital de Assinante Assimétrica) tecnologia de transmissão de tipo DSL que permite navegar na Internet em alta velocidade utilizando uma linha telefônica convencional, aumentando consideravelmente a velocidade de transmissão, especialmente na recepção de dados. O detalhe que diferencia o ADSL de outros xDSL é o fato de a banda de subida (upload) ser bem menor que a banda de descida (download) - por isso é chamada assimétrica.

Backbone (espinha dorsal) circuito físico de grande capacidade ao qual se conectam outros circuitos de menor capacidade através de pontos de conexão.

Back-end nas aplicações cliente/servidor, refere-se à parte do programa relativa ao servidor, enquanto o front-end refere-se à parte relativa ao cliente.

Carrier empresa que fornece serviços de infraestrutura física de telefonia ou de transporte de dados. Exemplos: concessionária de telefonia, operadora de espinha dorsal (backbone) etc.

Circuit-switching (comutação de circuitos) método de comunicação no qual um circuito é estabelecido e mantido enquanto há uma comunicação entre um transmissor e um receptor.

Datacenter espaço devidamente preparado onde se concentram todos os recursos necessários (computadores e redes de comunicações) para o processamento da informação.

DSL (Linha de Assinante Digital) de forma geral, é uma família de tecnologias que fornecem um meio de transmissão digital de dados, aproveitando a própria rede de telefonia.

Empoderamento ampliação da habilidade das pessoas de fazerem escolhas estratégicas nas suas vidas – desenvolvendo a autogestão – num contexto em que esta habilidade parecia estar limitada.

Gbps medida de largura de banda que equivale a bilhões de bits, ou gigabits, por segundo.

Igualdade de gênero estado em que mulheres e homens têm igualdade de oportunidades na vida, desfrutando de modo igualitário dos bens, as oportunidades, os recursos e as recompensas socialmente valiosas.

Justiça de gênero aquela a partir da qual se compreende e se aplica justiça sem reforçar nem reproduzir as discriminações que fazem parte do sistema sexo/gênero; tem em conta os papéis sociais de gênero, reconhece a amplitude dos mesmos e dá igualdade de oportunidades a todos/as.

Kbps medida de largura de banda que equivale a centenas de bits, ou kilobits, por segundo. Mbps medida de largura de banda que equivale a milhões de bits por segundo, ou megabits, por segundo.

Multigigabit estrutura super potente de transmissão de dados.

Packet (ou datagrama) cada uma das partes em que se separam as informações para circular na internet até chegarem ao destino, onde se recompõem para formar o conjunto original de dados.

Packet-switching conjunto de normas para sistemas de telecomunicação em redes, que transmite os pacotes individuais de informação por caminhos diferentes do ponto de origem ao ponto de recepção, aproveitando com eficiência a capacidade disponível da rede.

Peering interconexão voluntária de redes de internet separadas, realizada com o propósito de viabilizar o trânsito de informações entre seus respectivos usuários.

PoP (ponto de presença) termo utilizado para indicar o ponto físico de uma determinada rede de comunicação em um determinado local ou cidade.

Protocolo TCP/IP (protocolo de controle de transmissão/protocolo internet) norma de comunicação na internet, composta pelo TCP e o IP. O IP divide os envios em pacotes e os roteia, enquanto que o TCP se encarrega da segurança da conexão e comprova que os dados componham finalmente o envio original.

Roteador dispositivo encarregado de guiar os pacotes de informação que viajam pela internet até seu destino.

Tier 1 camada de provedores de serviços de internet (ISP) localizados no extremo mais alto da hierarquia, caracterizados por estarem conectados a cada um dos outros ISP de nível 1 e também a um grande número de ISP de nível 2, assim como a outras redes de usuários e ter cobertura internacional.

Ultima milha nome dado à conexão existente entre o usuário final e a rede central do provedor de acesso.

VoIP (voz sobre IP) tecnologia que se usa para transmitir voz sobre internet.

Webfarm sítio web, em geral com muito tráfego, que utiliza mais de um servidor para distribuir seu conteúdo.

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