Censura invisível: como o governo censura sem ser visto

Por Pranesh Prakash, Gerente de programas na área de políticas e advocacy no Center for Internet and Society em Bangalore, India

Data da publicação: 

Dezembro de 2011

O governo indiano quer censurar a Internet sem que ninguém perceba seu papel de censor. Este artigo mostra como o governo tem conseguido fazer isso através da Lei de Tecnologia da Informação e da norma de Diretrizes para Intermediários – que foi aprovada em abril de 2011. Agora o governo indiano quer os métodos de censura deixem ainda menos vestígios, razão pela qual o Sr. Kapil Sibal, Ministro das Comunicações e Tecnologias da Informação, tem falado sobre a “autorregulação da Internet”, e apresentou uma proposta de alteração da Lei de Direitos Autorais, que prevê a remoção instantânea de conteúdo on-line.

O PODER DA INTERNET E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A Internet - como sabe qualquer pessoa que já experimentou a maravilha de estar on-line -, é uma plataforma de comunicação muito diferente de qualquer outra que tenha existido antes. É o meio onde qualquer um pode compartilhar diretamente seus pensamentos com milhares de milhões de outras pessoas em um instante. Pessoas que nunca teriam qualquer chance de ter seus textos publicados em um jornal têm agora a oportunidade de criar um blog e oferecer os seus pensamentos para o mundo. Isto também significa que as ideia que muitos jornais não publicariam podem ser publicadas on-line uma vez que a Web não tem - e, mais importante ainda, não pode ter - editores que filtrem conteúdos. Em muitas ditaduras o direito das pessoas de expressar livremente seus pensamentos é algo fortemente controlado. Infelizmente, agora confrontamos a situação de que alguns países democráticos também estão tentando fazer o mesmo, censurando a Internet.

REGRAS PARA OS INTERMEDIÁRIOS

Na Índia, a norma de “Diretrizes para Intermediários” e as novas Normas para Cibercafés que estão em vigor desde abril 2011 dão não apenas ao governo, mas a todos os cidadãos da Índia, grandes poderes para censurar a Internet. Estas regras, que foram feitas pelo Departamento de Tecnologia da Informação e não pelo Parlamento, exigem que todos os intermediários na Internet removam o conteúdo que seja “depreciativo”, “relacionado a matéria de ... jogos de azar”, que possam ”prejudicar menores de idade de alguma maneira” – conteúdos aos quais o usuário “não tem direitos”. Quando foi a última vez que você verifico se tinha “direitos” sobre uma piada antes de encaminhá-la a outras pessoas? Você compartilhou uma mensagem no Twitter que continha o termo “# IdiotKapilSibal1“, como milhares de pessoas fizeram há alguns dias? Bem, isso é “depreciativo” e a nova lei exige que o Twitter bloqueie todo este conteúdo. O governo de Sikkim2 pode publicar anúncios de sua loteria Playwin3 nos jornais, mas sob a nova lei não pode fazê-lo on-line. Como se pode ver, através destes exemplos ridículos, as Diretrizes para Intermediários na Internet são muito mal pensadas - e sua elaboração, ainda mais sofrível. E, pior de tudo, elas são inconstitucionais, uma vez que colocar limites à liberdade de expressão infringe o Artigo 19 (1) (a) e 19 (2) da Constituição indiana, e o faz de uma forma que não lembra nem de longe o que é o devido processo legal e a justiça.

CENSURA EXCESSIVA POR PARTE DE EMPRESAS DE INTERNET

Nós, do Centro para Internet e Sociedade em Bangalore, decidimos testar o poder de censura destas novas normas, enviando queixas frívolas a uma série de empresas que atuam como intermediários na Internet. Seis dos sete intermediários abordados removeram conteúdo, incluindo listagens de resultados de pesquisa, com base nas queixas mais ridículas. As pessoas cujo conteúdo foi removido não foram informadas, nem o público em geral foi informado de que o conteúdo foi removido. Se não tivéssemos acompanhado o processo, seria como se esse conteúdo nunca tivesse existido. Este tipo de censura existia durante o governo de Stalin na União Soviética. Nem mesmo durante o Estado de Emergência4 tal censura existiu na Índia. No entanto, o que as empresas de Internet fizeram não foi apenas legal, mas também obrigatório, conforme a norma de “Diretrizes para Intermediários”, e se elas agissem de outra forma poderiam ter sido punidas por conta de conteúdos publicados por outros. Isso é o mesmo que punir os Correios por causa de cartas enviadas por um remetente qualquer cujo conteúdo seja considerado prejudicial.

GOVERNO TEM PODERES PARA CENSURAR - E JÁ O FAZ

Atualmente, o governo pode bloquear conteúdo baseando-se na seção 69A da Lei de Tecnologia da Informação (fato que pode chegar ao conhecimento dos cidadãos usando-se a Lei de Direito à Informação), ou ele tem que enviar as solicitações para as empresas de Internet para conseguir que o conteúdo seja removido. O Google lançou estatísticas de pedidos do governo para a remoção de conteúdo como parte de seu relatório de transparência. Enquanto o Sr. Sibal usa exemplos de material considerado sensível para toda a comunidade como uma razão para forçar a censura da Internet, dos 358 itens cuja remoção o governo indiano (incluindo governos estaduais) solicitou ao Google entre janeiro 2011 e junho de 2011, apenas oito foram por causa de discurso do ódio e apenas um foi por questões relativas à segurança nacional. No entanto, 255 itens (71 por cento de todos os pedidos) tiveram a remoção solicitada por se tratarem de “críticas ao governo”. Apesar de o governo da Índia não ter poderes para proibir críticas ao governo devido à Constituição do país, o Google atendeu 51 por cento de todos os pedidos feitos. Isso significa que muitas críticas ao governo foram removidas da Internet, além de outros tipos de conteúdo.

"AUTORREGULAÇÃO": CENSURA INDETECTÁVEL

Os esforços mais recentes do Sr. Sibal para pressionar empresas de Internet importantes - como Indiatimes, Facebook, Google, Yahoo e Microsoft - a se “autorregularem” revela um desejo de ganhar poderes cada vez maiores para ignorar a Lei de TI quando o conteúdo da Internet a ser censurado for conteúdo “indesejável” (ao governo). O Sr. Sibal também quer evitar estatísticas constrangedoras como as que o Relatório de Transparência do Google revelou. Ele quer que empresas de Internet se “autorregulem” com relação ao conteúdo publicado por seus usuários, para que o governo nunca tenha que enviar estes pedidos de remoção, em primeiro lugar, nem bloqueie sítios Web oficialmente usando a Lei de TI. Se o governo fosse realmente sincero sobre seus motivos, não falaria sobre “transparência” e “diálogo” somente depois de ter sido exposto na imprensa o fato de que o Departamento de Tecnologia da Informação estava em conversações secretas com as empresas de Internet. Dada a forma clandestina com que procurou trazer estas novas medidas de censura, os motivos do governo são suspeitos. No entanto, tanto o Sr. Sibal quanto o Sr. Sachin Pilot5 têm insistido que o governo não tem planos de censurar a Internet, e o Sr. Pilot fez essa afirmação oficialmente no Lok Sab6. Esta, portanto, parece ser uma instância de censura sem censura.

CENSURA PELA PORTA DOS FUNDOS, ATRAVÉS DE LEI DE DIREITOS AUTORAIS

Uma vez que o governo não pode implementar leis de censura de uma forma simples e direta, ele vem tentando fazê-lo sub-repticiamente, pela porta dos fundos. A ultima alteração proposta pelo Sr. Sibal para a Lei de Direitos Autorais, que tramita agora no Rajya Sabha7, tem uma disposição chamada seção 52 (1) (c) através da qual qualquer pessoa pode enviar um aviso reclamando sobre a violação dos seus direitos autorais. A empresa de Internet terá que remover o conteúdo imediatamente, sem questionamentos, mesmo que o aviso seja falso ou malicioso. O remetente de avisos falsos ou maliciosos não é penalizado. Mas a empresa de Internet será penalizada se não remover o conteúdo que foi objeto de queixa. Não é sequer necessário provar que a queixa é verdadeira antes que o conteúdo seja removido. Na verdade, qualquer um pode se queixar de qualquer conteúdo, sem ter que provar que possui os direitos com relação ao conteúdo. O governo parece estar interessado em ter o poder de remover conteúdo da Internet sem seguir o ‘devido processo legal’ ou qualquer procedimento justo. Na verdade, ele não só quer dar este poder a si mesmo, mas também a todos os indivíduos.O efeito final será a morte da Internet como a conhecemos. Dê adeus a ela enquanto ainda há tempo.

Publicado originalmente no sítio Web do Centre for Internet & Society: http://cis-india.org/internet-governance/invisible-censorship

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1. N.E.: Hashtag fazendo referência ao ministro indiano Kapil Sibal que repercutiu intensamente no Twitter em dezembro de 2011.

2. N.E.: Segundo menor estado da Índia, localizado na cordilheira do Himalaia.

3. N.E.: Primeira loteria online da Índia, gerenciada pelo governo do Estado de Sikkim.

4. N.E.: o Estado de Emergência na Índia durou 21 meses, de junho de 75 a março de 77, durante a presidência de Fakhruddin Ali Ahmed. Um dos períodos mais controversos da história recente do país, no Estado de Emergência as liberdades civis foram suspensas, assim como as eleições.

5. N.E.: parlamentar eleito pelo estado do Rajastão.

6. N.E.: instância do Parlamento indiano, equivalente à Câmara dos Deputados.

7. N.E.: instância mais “alta” do parlamento indiano, equivalente ao Senado.

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