Capacitação em defesa de políticas e as tensões com entidades de apoio(1)

Por Becky Lentz, PhD - professora assistente na Universidade McGill, Montréal, Canadá *

Data da publicação: 

Dezembro de 2014

Na esteira do avanço alcançado com a resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU, aprovada em junho de 2012, em torno da liberdade de expressão na Internet,2 os debates sobre a governança da rede são bastante tensos. Assegurar às atividades online os mesmos direitos assegurados às atividades offline não é tarefa fácil, especialmente diante das dificuldades existentes para garantir até mesmo as proteções fora da rede.

Ainda assim, a regulação e os processos decisórios multiparticipativos no âmbito da ONU criam para as organizações não governamentais da sociedade civil (as ONGs) uma oportunidade de coordenar esforços nas discussões normativas sobre a liberdade da Internet globalmente. Contudo, chegarmos a políticas que realmente respaldem os direitos humanos na Internet é uma empreitada ambiciosa, algo que muitos estudiosos e militantes da sociedade civil aprenderam a partir das duas etapas da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI/WSIS), em 2003 e 2005, e nos subsequentes Fóruns de Governança da Internet (FGI/IGF) iniciados em 2006. Acrescentemos a isso o trabalho de defesa de direitos nos campos da privacidade, segurança e vigilância, bem como o relacionado à propriedade intelectual.

Apesar do progresso obtido através de várias declarações e depoimentos da sociedade civil,3 os direitos da mídia digital em muitos países enfrentam restrições devidas a limitação de recursos, a diferenças culturais, e a contextos políticos e jurídicos. Minha pesquisa sugere que essas diferenças tenham criado dificuldades para as oportunidades de consenso sobre formação de políticas. Contudo, desafios dessa ordem não são incomuns para defensores de políticas voltadas aos interesses do cidadão ou do consumidor, especialmente em novos campos de políticas públicas, como os direitos relacionados à mídia digital.

De fato, o reconhecimento de tais desafios costuma ser a razão pela qual as organizações doadoras comparecem para ajudar. Isso se dá por conta de líderes mais ativos de ONGs que buscam os doadores, ou de doadores que buscam ONGs para tratar de alguma debilidade percebida no tratamento efetivo de políticas importantes. Mas o envolvimento dos doadores – uma precondição necessária para as organizações ativas em políticas públicas que buscam algum tipo de capacitação sustentável – também resulta em conflitos em muitos campos do ativismo. Isso porque enquanto os doadores possam perceber benefícios em uma maior colaboração e compartilhamento de recursos escassos, os ativistas em políticas públicas só enxergam competição pelos mesmos recursos, em geral limitados.

Os recursos necessários incluem um suprimento constante de mão-de-obra capacitada e talentosa, interessada em trabalhar para e com as organizações ativistas; uma fonte sustentável de financiamento para contratar e manter esse pessoal; a capacidade de trabalhar regularmente de modo colaborativo com outros atores que compartilhem valores semelhantes para tratar dos desafios e das pautas do ativismo; e recursos intelectuais e financeiros suficientes para dar conta dos desafios de formação, aprendizado, tutoria e liderança necessários para manter as atividades institucionais. Mas são poucos os que têm tempo, motivação, recursos ou habilidade para tratar dos temas de capacitação para o setor como um todo. Os líderes costumam estar ocupados demais só com os esforços necessários para manter abertas as portas de suas ONGs.

O papel das organizações “intermediárias” e “de infraestrutura”

Nos últimos anos, os doadores, sejam eles entidades filantrópicas, fundações ou indivíduos, vem se envolvendo na capacitação estratégica de ativistas dos direitos da mídia digital, muitos dos quais estão baseados no Hemisfério Sul, na esperança de que as organizações da sociedade civil possam intervir nos debates em torno de políticas voltadas para a liberdade da Internet, conforme definida pela resolução do CDH. O que ajudaria alguns desses investidores seria um certo consenso em torno do significado exato de capacitação para o setor dos direitos da mídia digital. O que sabemos bem é o que essa capacitação significa para os que atuam em outros campos, quem se envolve com esse trabalho e a razão pela qual o fazem.

Os pontos de vista analisados para este estudo coalescem em torno de pelo menos uma compreensão: capacitação se refere à aquisição e suporte de componentes que indivíduos, organizações e comunidades precisam para trabalhar de forma eficiente e efetiva. Como frase que denota ação, cabe pensar em capacitação como um conjunto de vários tipos de atividades. Cairns et al. (2005, p. 875) fornecem uma lista bastante útil:

  • Identificar e analisar problemas de gestão e de organização, e às vezes tomar providências para tratar desses problemas;
  • Elaborar planos de ação, visão, ou estratégicos, o que costuma envolver uma busca atrás de oportunidades e desafios estratégicos;
  • Desenvolver técnicas e habilidades individuais, o que em geral envolve treinamento ou orientação, tanto individual quanto em grupo;
  • Obter através de pesquisa e de outros meios o conhecimento e a informação necessários sobre indivíduos e/ou a organização;
  • Realizar consultas junto a consumidores/usuários, membros e grupos de interesse;
  • Construir alianças organizacionais;
  • Assegurar recursos;
  • Implementar melhoras organizacionais;
  • Expandir o alcance dos serviços oferecidos.

Sobre os aspectos organizacionais da capacitação, Kaplan (2000) cita as que requerem trabalho constante:

  • Arcabouço conceitual;
  • Atitude organizacional;
  • Visão e estratégia;
  • Estrutura organizacional;
  • Aquisição de habilidades;
  • Recursos materiais.

Mas, ao analisarmos o trabalho de outros estudiosos, a definição de capacitação parece depender de contexto, exceto quando as organizações são dirigidas por seus financiadores para melhorar a capacidade. Sem maiores direcionamentos além de “trabalhar na capacitação”, as organizações costumam se virar para descobrir onde e como concentrar seus esforços (Cairns, Harris, & Young, 2005). Tal incerteza parece sugerir que, para ser efetiva, a capacitação precisa ser gerada de dentro da organização, com iniciativas escolhidas pelos líderes e pelas bases da organização, para cuidar das suas necessidades próprias e exclusivas.

Isso nos leva a pensar em quem se envolve com capacitação, e por que. Cairns et al. (2005) observam: “Grande parte do que já foi dito sobre o assunto parece ter sido dito com o intuito de uma aplicabilidade genérica para todos os setores e organizações.” Toda instituição ou organização pode trabalhar na própria capacitação, inclusive países (Farazmand, 2004). Entretanto, o enfoque do restante deste artigo será a capacitação em uma organização individual, embora esse nível seja ocasionalmente expandido de forma a abarcar a capacitação para todo um setor (conforme faz Franks [1999] para o setor hídrico). Cabe dizer aqui que a maioria dos autores limita sua discussão a um certo tipo de organização que atua dentro de um certo campo. Por exemplo, Cairns et al. (2005) escrevem sobre organizações voluntárias e comunitárias no Reino Unido enquanto James (1997) está preocupado com as ONGs europeias e seus parceiros que atuam no Hemisfério Sul; Suárez e Marshall (2012) escrevem sobre ONGs que atuam no Camboja etc.

Pode-se encontrar literatura sobre capacitação em várias disciplinas, inclusive estudos sobre o terceiro setor, sobre o desenvolvimento, avaliação, gestão e planejamento, administração pública, serviço social e comunicações. Mas a maioria desses textos parece ter sido obra de estudiosos na área da administração pública, da gestão pública e das políticas públicas, com algumas contribuições de estudos de gestão em geral e de desenvolvimento internacional. Normalmente mais descritivos do que teóricos, muitos deles referem-se a teorias de sistemas e de gestão, teorias e aprendizagem organizacional, colaboração interorganizacional, teoria social construcionista, teoria do movimento social e relações internacionais. Um tema que abrange toda essa literatura é a importância da colaboração em qualquer capacitação (Antonova, 2011; Balassiano & Chandler, 2010; Franks, 1999; Labin, Duffy, Meyers, Wandersman, & Lesesne, 2012; Suárez & Marshall, 2012).

Colaboração é fundamental

Segundo os especialistas, a colaboração é mais factível entre pares, onde organizações e profissionais trabalham juntos, compartilhando conhecimento e habilidades, aprendendo como iguais (Balassiano & Chandler, 2010; Franks, 1999). Franks considera atividades como “articulações e combinações, oficinas, seminários e plataformas para cooperação internacional, que facilitam a troca de conhecimento” (Franks, 1999, p. 53). Balassiano e Chandler (2010) examinam as associações sem fins lucrativos e o impacto que a filiação a tais associações tem sobre a capacitação. Eles concluem que a participação de uma organização sem fins lucrativos a uma associação de âmbito estadual ou a uma federação nacional tem diversos benefícios, inclusive uma melhor capacitação e um melhor ativismo político. Balassiano e Chandler (2010) deixam claro que as entidades sem fins lucrativos aproveitam o trabalho colaborativo pois compartilham metas, desafios e experiências comuns.

Suárez e Marshall (2012) chegam a uma conclusão semelhante com base em uma enquete junto a 135 ONGs que atuam no Camboja. Eles descobriram que as ONGs com a capacitação menos significativa também tiveram menos conexões com outras ONGs, associações profissionais e menos atores na área W atuação política. Esse resultado os leva a concluir que “as articulações podem ajudar a aumentar a capacidade e a criar novas oportunidades de colaboração” (Suárez & Marshall, 2012, p. 20).

A colaboração é importante também para avaliar os esforços de capacitação. Como subcampo, estudos de Capacitação em Avaliação (CeA) procuram encontrar formas de avaliar as ONGs quanto ao seu trabalho de capacitação. Labin et al. propiciam uma definição útil ao escreverem que a “CeA é um processo que visa aumentar a motivação, o conhecimento e as habilidades individuais, e melhorar a capacidade que um grupo ou uma organização tem de conduzir ou de usar a avaliação” (Labin et al., 2012, p. 308). A CeA é um tipo de avaliação colaborativa, onde os membros de uma organização buscam aferir seu desempenho em conjunto – Labin et al. (2012) explicam: “A colaboração surgiu como linha fundamental no tecido dos esforços de CeA” (p. 324).

A capacitação funciona melhor quando vem de dentro e não de fora de uma organização

Outro resultado de destaque é que a capacitação bem sucedida deve vir de dentro da organização; ela não pode ser simplesmente impostas de fora, seja pelas entidades que as financiam, por consultores ou por atores na área de fomento. Embora o suporte das entidades de financiamento e dos demais elementos com atuação no campo seja de grande utilidade – em geral, indispensável –, o ímpeto de desenvolver e sustentar a capacitação a longo prazo deve advir do cerne da organização, dos seus fundadores e de seus empregados/voluntários (James, 1994). Dá-se ênfase em particular ao capital humano (Antonova, 2011; Franks, 1999; Sowa, Selden, & Sandfort, 2004), que é a razão pela qual os recursos humanos costumam ser destacados como aspectos-chave em qualquer trabalho de capacitação (Farazmand, 2004; Franks, 1999). Por exemplo, Sowa, Seldon & Sandfort (2004) escrevem que a boa capacidade de gestão e atuação advém da maneira como os funcionários percebem a capacidade organizacional no ambiente de trabalho. Isso pode até parecer uma hipótese do tipo ovo-ou-galinha, mas a mensagem mais importante que fica é que a capacitação depende de os funcionários acreditarem na capacidade da organização realizar o trabalho de forma sustentável a longo prazo.

Além disso, os fundamentos para uma boa capacitação são elementos intangíveis, mais do que os tangíveis. Kaplan (2000) prioriza o quadro conceitual de uma organização e sua atitude organizacional, antes dos recursos materiais e da aquisição de habilidades (Kaplan, 2000, pp. 519–520). Franks (1999) também deprecia a importância dos ativos materiais na capacitação. Ele explica como a comunidade desenvolvimentista mudou a ênfase da capacidade produtiva para a capacidade humana durante um prolongado período de transição, que foi da década de 1960 até a de 1990 (Franks, 1999, p. 51). O resultado foi que o investimento no conhecimento e nas habilidades das pessoas levava a organizações mais eficazes e a melhores resultados a longo prazo do que investimentos em produtos e infraestrutura, como software e edifícios comerciais, ou, como no setor hídrico que Franks (1999) discute, redes de distribuição e estações de tratamento de água.

Essa nova ênfase na capacidade humana está ligada à infraestrutura que deve estar montada antes que uma organização possa começar a realizar o trabalho a que se propõe. Antes de realizar um projeto, é preciso cuidar de fatores internos como visão e missão, liderança, estruturas e procedimentos de gestão, recursos e relações com as partes interessadas (Antlöv, Brinkerhoff, & Rapp, 2010, p.5). Todos esses fatores afetam os desfechos de capacitação de uma organização; contudo, são invisíveis para os que estão do lado de fora. Entretanto, fatores externos também afetam a capacidade de uma organização e por isso devem ser mencionados. Franks (1999) se refere a isso como política habilitadora e ambiente legislativo. Antlöv, Brinkerhoff & Rap (2010) expandem o conceito de ambiente habilitador detalhando como a política e a governança, as normas e valores da sociedade, os arcabouços jurídico e administrativo, e as condições socioeconômicas afetam a capacitação de uma organização.

Na maioria dos estudos analisados, existe uma premissa implícita de que uma boa capacitação é sinônimo de eficácia. Afinal, para que capacitar se não for para aplicar essas habilidades à missão e ao trabalho da organização? Acredita-se que investir em capacitação equivale a investir nos melhores resultados dos projetos.

Por exemplo, Franks (1999) escreve sobre o quanto a capacitação enfatiza “um aumento do conhecimento, das técnicas e habilidades das pessoas em vários níveis, que aumenta a eficácia do seu trabalho” (p.51). Cairns et al. (2005) observam que uma das razões para as organizações trabalharem na sua capacitação é “prestar serviços públicos de maneira mais eficiente ou eficaz” (p. 875). Sowa, Seldon e Sandfort (2004) discutem a capacidade como componente chave de seu modelo de avaliação da eficácia organizacional. Esse modelo tem duas dimensões: efetividade da gestão e efetividade do programa, sendo cada dimensão subdividida em capacidade e resultados. De fato, a capacidade é o primeiro elemento estrutural de todo o modelo: sem capacidade não há efetividade. Conforme afirmam os autores, “para melhorar os resultados, as organizações precisam compreender como suas estruturas e processos permitem ou prejudicam esses resultados” (Sowa et al., 2004, p. 715). Aqui, Sowa, Selden & Sandfort (2004) se referem à infraestrutura invisível (“estruturas e processos”) que precisam estar consolidados para que uma organização tenha sucesso em seu trabalho.

Suarez e Marshall expressam pelo menos uma opinião discordante sobre a conexão entre capacidade e efetividade: “Capacidade não é sinônimo direto e inequívoco para efetividade organizacional” (Suárez & Marshall, 2012, p. 21). Os especialistas advertem que as organizações podem divulgar os seus esforços de desenvolvimento de capacidades como forma de projetar legitimidade e não necessariamente por serem esses esforços algo que os ajude a atingir suas metas. Há pesquisa sobre a conexão entre capacidade e efetividade, ao mesmo tempo em que se reconhece que essa conexão há de ser um “grande desafio” (Suárez & Marshall, 2012, p. 21).

Os financiadores são frequentemente irregulares

Um último tema na literatura analisada é o do financiamento – sem dúvida um componente vital da capacitação, pois as organizações terão dificuldades para realizá-la se não houver recursos financeiros. Mas às vezes é preciso lutar muito para conseguir equilibrar as metas das entidades financiadoras com as metas das organizações. Quem financia as entidades sem fins lucrativos tem suas razões para tal, o que pode colocar as ações das entidades financiadoras em situação incômoda junto às próprias entidades apoiadas, e às vezes os doadores querem direcionar o uso do dinheiro, o que tem grande potencial para comprometer a autonomia e a missão da organização (Cairns et al., 2005). Além disso, os doadores frequentemente insistem que as ONGs trabalhem em conformidade com seus próprios padrões de normas, forçando-as a tentar alinhar seus projetos com as expectativas deles. (Srinivasan, 2007, p. 196).

Pelo menos dois estudos no campo das comunicações destacam-se pela relevância em relação ao trabalho com os direitos das mídias digitais. Centrando-se no papel da tecnologia, informação e comunicação (TIC) para a comunicação transnacional e nas articulações do nível local com o global entre os movimentos sociais, Stein et al. (Stein, Notley, & Davis, s.d.) observam alguns desafios de capacitação para a comunicação,4 entre os quais a falta de tempo, financiamento e experiência técnica, de acesso a equipamentos, computadores e Internet, inclusive barreiras linguísticas, dúvidas e incertezas sobre a relevância e a aplicação local, e ainda a falta de apoio para os grupos que buscam aplicar os materiais em seus contextos locais.

Antonova pesquisou como governos, indivíduos, ONGs e instituições trabalham juntos no desenvolvimento de capacidades para tratar e resolver questões difíceis relativas à governança da Internet. Concordando que a noção geralmente aceita de capacitação é imprecisa, ela estabelece que o desenvolvimento de capacidades significa “capital social, intelectual e político acumulados” (Antonova, 2011, p. 433). Esse acúmulo ocorre quando se cultiva a participação múltipla, no nível global, o que deve incluir “ampla representação de variados grupos” nos processos decisórios (Antonova, 2011, p. 426). À medida que se esforçam para trabalhar em conjunto, os envolvidos com a questão da governança da Internet também atuam em capacitação. A colaboração leva ao desenvolvimento de ricas articulações globais, numa construção contínua de capital humano, organizacional e cultural. Em outras palavras, cultivar a colaboração é uma forma de capacitação.5 Segundo essa ótica, o envolvimento de múltiplos atores é uma forma de capacitação para a militância em torno da liberdade da Internet.

A capacitação em geral envolve “intangíveis”

Os doadores também afetam o trabalho e as prioridades das organizações sem fins lucrativo ao enfatizarem resultados tangíveis a curto prazo em detrimento de conquistas intangíveis de longo prazo. Mandeville escreve especificamente sobre isso e conclui que os doadores que atuam com políticas públicas reconhecem a importância da capacitação, mas com ressalvas. Conforme seus escritos, “os doadores reconhecem que a capacidade organizacional é importante para que o ativismo seja efetivo na construção de políticas” (Mandeville, 2007, p. 297). Isso poderia implicar em que os doadores apoiem o papel que uma organização desempenhe a longo prazo nesses processos; entretanto, eles tendem a apoiar pesquisa e capacidade nas comunicações – mais recursos de curto prazo do que desenvolvimento de recursos e capacidade de gestão e governança.

Os recursos de pesquisa e comunicações permitem que uma organização “produza e interponha informações de relevância em um sistema de políticas” (Mandeville, 2007, p. 297), um resultado bastante concreto para o investimento de um doador. Mandeville conclui daí que “os doadores deixam de lado a oportunidade de promover a qualificação do ativista de políticas para a auto-suficiência e autonomia” (Mandeville, 2007, p. 297) e “as doações para iniciativas nas áreas das políticas públicas costumam preferir o apoio a iniciativas de curto prazo dominadas pelos propósitos específicos de um programa” (Mandeville, 2007, p. 297).

Fagan e Srinivasan observaram a pressão dos doadores para que as organizações apresentem resultados de projetos de curto prazo (Fagan, 2005, p. 417; Srinivasan, 2007, p. 196). Segundo Srinivasan, isso ocorre às custas de uma perda de foco no desenvolvimento e nos valores internos da organização, aspectos do cotidiano que não entram nos orçamentos para a maioria dos projetos impulsionados por doadores. Embora reconheçam a importância da sustentabilidade, do desenvolvimento e da capacitação, os doadores continuam a apoiar através de projetos de curto prazo (Fagan, 2005, p. 417). Conforme observa Fagan: “Até certo ponto, a ênfase na sustentabilidade e na capacitação é uma cortina de fumaça, pois a principal força motriz para os doadores é o valor que recebem na troca pelo dinheiro investido, o impacto visível e as evidências tangíveis de sua assistência (Fagan, 2005, p. 417).”

O recado, afinal, é: a capacitação costuma ser um processo invisível, focado na melhoria de elementos intangíveis do trabalho de uma organização. Trabalhar na capacitação é um processo de longo prazo que às vezes se digladia com os objetivos de curto prazo dos doadores interessados nos resultados específicos de um projeto. Quando chegam a reconhecer a importância de investir na capacitação, os doadores estão investindo em geral nos seus aspectos mais tangíveis de curto prazo.

À medida que a capacitação vai se tornando uma meta de maior proeminência, e que sua importância vai sendo reconhecida, os doadores precisam estar mais preparados para financiar organizações que não tenham condições de operar sem investir na capacitação. Os integrantes dessas organizações são os que sabem como direcionar os recursos da melhor forma possível.

Reflexões finais

Este artigo oferece algumas reflexões sobre o papel das organizações intermediárias trabalhando com o apoio de doadores que creem ser a capacitação no Hemisfério Sul para o ativismo efetivo em políticas um investimento válido diante da importância cada vez maior da Internet na proteção dos direitos humanos, especialmente após a resolução do Conselho da ONU para os Direitos Humanos já mencionada. Uma questão crítica é que alguns desses programas de capacitação baseiam-se no Hemisfério Norte e grande parte do seu financiamento é usada para o suporte do pessoal que trabalha nesses escritórios. São necessárias mais pesquisas para destrinchar as tensões desse relacionamento desigual, explorando tanto os benefícios quanto os empecilhos que podem existir nos programas de capacitação com foco no doador.

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1. Este trabalho é uma análise preliminar da literatura acadêmica sobre a capacitação, baseando-se primordialmente nos seguintes campos e disciplinas: administração pública, políticas públicas, assuntos públicos, desenvolvimento internacional, gestão, estudos do terceiro setor e de avaliação. Existe também uma ampla gama de literatura “não convencional” de relevância, a ser abordada em versões subsequentes deste artigo, que inclui relatórios, guias, artigos, kits de ferramentas e outras contribuições escritas por autores que atuam em capacitação, ONGs, firmas de consultoria, instituições multilaterais, governos, organizações filantrópicas etc. Também pretendemos procurar outras fontes a partir da literatura anti-globalização, de estudos dos movimentos sociais e das ciências políticas, e do material usado na educação de adultos.

*A autora agradece o apoio dado à sua pesquisa por Stella Habib, Emily Hutchison, Andrew Puddephatt, Gene Kimmelman, Helen Brunner, Sarabrynn Hudgins, Dixie Hawkin e Paul Berk. O apoio financeiro foi dado pela Universidade McGill (incluindo seu Instituto para o Estudo do Desenvolvimento Internacional, ISID) e pelo Conselho Canadense para Pesquisa em Ciências Sociais e Humanas (SSHRC).

2. Ver http://daccess-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/G12/153/25/PDF/G1215325....

3. Exemplos incluem http://www.itu.int/wsis/docs/geneva/civil-society-declaration.pdf; https://www.apc.org/en/news/post-wcit-civil-society-statement-way-forward; e http://Internetrightsandprinciples.org/wpcharter

4. O estudo de caso para esta pesquisa foi o trabalho 10 Tactics for Turning Information into Action do Tactical Technology Collective (https://informationactivism.org/en). Esta é uma iniciativa que promove o desenvolvimento de capacidades de agentes dos movimentos sociais no Sul global. O Tactical Tech é uma organização de serviço no campo dos movimentos sociais (https://www.tacticaltech.org).

5. Milton Mueller oferece uma revisão muito útil da literatura sobre redes em Networks and States: The Global Politics of Internet Governance (2010), estabelecendo distinções importantes entre redes como um método de análise em contraste com “governança em rede” como uma forma organizacional.

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Bibliografia

Nota: o acesso às referências da biblioteca da Universidade de McGill requer senha. Se necessário, entre em contato com a autora: http://www.mcgill.ca/ahcs/people/faculty/lentz

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